Crítica


6

Leitores


7 votos 8.2

Sinopse

Uma mulher reflete sobre como sua vida amorosa foi afetada pelo fato de ser portadora de transtorno de bipolaridade.

Crítica

Lexi (Anne Hathaway) está vestindo plumas e paetês dentro de um supermercado pela manhã. Os cabelos estão impecavelmente arrumados, o sorriso ilumina o rosto. A artificialidade deste momento é tão forte que logo os figurantes escolhendo seus produtos começam a dançar – estamos dentro de uma cena musical. Frutas voam de um lado para o outro, carrinhos rolam pelos corredores. Embora Modern Love tenha flertado com o realismo fantástico nos dois primeiros episódios (o olhar-mira do porteiro no episódio 1, os reencontros do acaso no episódio 2), “Take Me As I Am, Whoever I Am” é o primeiro caso em que a direção assume sua artificialidade. A imagem da felicidade se torna exagerada, assim como a imagem da tristeza.

Depois de diversas referências cinematográficas e literárias explícitas nos primeiros episódios, o terceiro capítulo se inspira diretamente na lógica de Sex and the City. Lexi é nossa Carrie Bradshaw, escrevendo sobre si mesma num computador, dentro de um apartamento luxuoso, concentrando-se especialmente nos problemas amorosos. Ela é fina, bela, bem-sucedida, leva jeito com as palavras, mas possui problemas no amor. É interessante que o roteiro tente esconder essa informação a princípio. Lexi afirma ter dificuldades, e vemos a jovem alternar dias de euforia com outros de tristeza. Seria uma depressão? Algum problema físico ocultado? Enquanto a primeira metade da narrativa dedica-se integralmente a esta oscilação, sem lhe colar um rótulo, a segunda fica contente em repetir diversas vezes o problema que afeta a protagonista: a bipolaridade.

Em se tratando de uma série sobre amores modernos, cabe ressaltar que este segmento deixa o amor romântico em segundo plano – Lexi não consegue manter um relacionamento com Jeff (Gary Carr) devido à doença – para se focar em outras formas de amor, no caso, o amor próprio e aquele dos amigos. “Take Me As I Am, Whoever I Am” pode ser considerado como o coming out bipolar da personagem, ou seja, o momento em que assume a condição para si e para os próximos. Visto que a pós-modernidade faz da exposição de si mesmo, inclusive das fraquezas, temas dos quais se orgulhar, ou pelo menos sobre os quais jogar luz, a trama de fato se torna bastante contemporânea. O fato de se apropriar de uma psicopatologia repleta de preconceito e desinformação, entregando-a à atriz mais famosa do elenco, sem o peso da tragédia nem o apelo à piedade, constitui uma boa iniciativa do projeto. Anne Hathaway abraça a personagem com dignidade, reforçando os altos e baixos para efeito cômico, porém sem tratar Lexi de modo desrespeitoso.

O melhor aspecto do terceiro episódio ainda são as liberdades criativas que o diretor John Carney enfim toma em relação à mise en scène. A longa-sequência em que a protagonista cresce, submetendo-se a todo o tipo de tratamento mais ou menos científico, sob um fundo preto de estilo teatral, corresponde a uma ótima maneira de retirar da doença o seu peso, sem ignorar os aspectos graves. É certo que os números musicais não vão muito longe, e que a conciliação no final soa forçada (o otimismo constitui uma obrigação para a série), no entanto o estilo leve produz um efeito interessante em contraste com a seriedade do tema. Ao contrário de “When The Doorman Is Your Best Man”, que simplesmente ignora os evidentes conflitos da premissa, este episódio os explicita e brinca consigo mesmo. Talvez a abordagem seja um tanto egocêntrica – Carney não se preocupa nem um pouco com os sentimentos de Jeff – mas ainda representa um ponto alto na primeira temporada de Modern Love.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)