Crítica
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Sinopse
A história incrível de um rapaz de origem humilde que se tornou Silvio Santos, um dos maiores comunicadores da história da televisão brasileira.
Crítica
Grandes nomes da televisão brasileira também podem servir de inspiração para obras audiovisuais. Filmes como Hebe: A Estrela do Brasil (2019) e Chacrinha: O Velho Guerreiro (2018) mais do que comprovam isso. Ambos, no entanto, são coadjuvantes em O Rei da TV, série que se ocupa em narrar alguns dos principais eventos da vida de uma figura ainda mais popular do que as duas anteriormente citadas: Sílvio Santos. Hebe (dessa vez interpretada por Martha Mellinger) e Chacrinha (aqui numa atuação de André Abujamra), aliás, são coadjuvantes pontuais dentro de uma trajetória mais ampla. Ela, afinal, foi empregada de Silvio, enquanto ele foi colega do apresentador quando ambos trabalhavam na TV Globo. Porém, entre tantas idas e vindas, e no meio de tantas figuras de igual (ou até maior) destaque, seria fácil perder o rumo de onde se queria chegar com apenas oito episódios. Marcus Baldini, diretor-geral da série, reconhece isso, e vai direto ao ponto: não só como foi o processo de formação do ícone que hoje, com mais de 90 anos, segue na ativa e sendo reverenciado, como também quais foram os sacrifícios e maiores provações que o empresário e artista se viu obrigado a enfrentar durante sua trajetória. Nem sempre essa divisão se dá de forma equilibrada, mas há uma inegável vontade em fazer do ícone algo maior do que uma mera pessoa. Uma abordagem que faz sentido diante de uma personalidade de tamanho alcance.
O caminho a ser seguido por grande parte das biografias – sejam elas visuais ou literárias – se dá de uma forma ou de outra: ou se escolhe um momento específico e, a partir desse, se estabelecem paralelos que possam compreender um entendimento a respeito do nome em questão como um todo, ou se parte para uma abordagem mais ambiciosa, no estilo “do início ao fim”, algo que nem sempre alcança o efeito esperado, visto que geralmente apresenta um resultado raso e apressado (como espremer uma vida inteira em alguns tantos minutos?). Em O Rei da TV, Baldini e sua equipe de roteiristas – entre os quais se encontram André Barcinski, de Zé do Caixão (2015), e Mikael de Albuquerque, de Real: O Plano por trás da História (2017) – decidem não por um ou outro, mas por ambos. O ponto nevrálgico, que dará início ao desenrolar dos acontecimentos, foi a descoberta de pólipos na garganta do apresentador em 1988, quando estava no auge da fama e popularidade. O caso, que poderia ser grave, o levou a consultas com especialistas nos Estados Unidos, e se não tratado, poderia deixá-lo até mesmo sem voz, algo fatal para alguém que vive da sua presença diante do público enquanto comunicador. A partir desse ponto, tem-se início um grande flashback, uma volta às origens, através da qual começa a se desenhar de onde veio esse homem, o que fez para chegar ao ponto em que está e os encontros (ou não) que teve com a sorte durante esse trajeto.
De início, tem-se a impressão de que o momento “presente” (ou seja, no final dos anos 1980), seria a narrativa “principal”. Tanto que o escolhido para dar vida ao protagonista nessa fase foi o veterano José Rubens Chachá, que desenvolve um cuidadoso trabalho de composição através de gestos e posturas sem, no entanto, recair aos trejeitos mais conhecidos do artista. Esses ficam a cargo do novato Mariano Mattos Martins (Abestalhados 2, 2022), que tem aqui seu primeiro papel de maior destaque ao aparecer como Silvio Santos no início da carreira. E isso se dá por um motivo lógico. Enquanto Chachá dá vida, na maior parte do tempo, ao Senor Abravanel – ou seja, ao Silvio Santos longe das câmeras, no privado, entre visitas ao médico, resolvendo conflitos familiares e lidando com problemas nos bastidores do SBT, o canal de televisão que fundou – quem tem em mãos a responsabilidade de criar o Silvio que se tornou conhecido nacionalmente é justamente Martins, que passa mais tempo em frente às câmeras, mas não só, pois ao lidar com o assédio dos fãs e também com os colegas de trabalho deixa claro sua intenção em criar um personagem, alguém maior do que ele mesmo.
Dessa forma, ainda que a todo instante retorne ao seu problema de saúde – algo que nem gera tanta tensão, uma vez que é sabido seu desfecho, pois o apresentador segue atuando até hoje – mais interessante vai se mostrando a jornada do jovem saído do nada que, com muita lábia e força de vontade, acabou por construir um império. Uma das suas histórias mais folclóricas é o início como camelô, algo que recebe atenção, mesmo que talvez merecesse maior desenvolvimento (ao menos permite uma participação intensa de Augusto Madeira no episódio de estreia). Assim, logo se dirige ao trabalho como artista de fato, sua proximidade com os holofotes, a atenção da mídia, o cultivo de uma audiência crescente e o tino para negócios, jogando os dados de acordo com a música que tocava a cada momento. A relação com Manoel da Nóbrega (determinante para sua entrada no mundo artístico) e o envolvimento com os militares (as concessões progressivas que fez até conquistar sua própria emissora) geram histórias deliciosas, mas nenhuma com mais altos e baixos do que a que teve com a Globo e seus dois maiores representantes, Rossi (vivido por Celso Frateschi e João Campos, em passagens distintas) – um dos poucos tipos criados especificamente para a trama, em uma alusão ao todo-poderoso Boni – e o megaempresário Roberto Marinho (uma leitura impressionante de Pascoal da Conceição, de Toda Forma de Amor, 2019).
Outro elo fundamental foi a influência paternal que exercia sobre Gugu Liberato (Paulo Nigro, comedido na maior parte do tempo, mas afetado em excesso quando visto sem amarras), que serve para revelar também como o próprio Silvio Santos encarava a sua continuidade em cena, e o envolvimento que teve com suas esposas. Se com Cidinha (Roberta Gualda, de Uma Loucura de Mulher, 2016), o amor de juventude, o descaso e o seu despreparo em lidar com a fama acabaram levando a um desfecho trágico, com Íris (Leona Cavalli, segura de si) os embates entre os dois são de iguais, mostrando um amadurecimento não apenas afetivo, mas também familiar. Silvio Santos está longe de ser um homem perfeito, e O Rei da TV, felizmente, em nenhum momento se ocupa em santificá-lo. Mas foi, ao menos na maior parte da sua vida, uma figura em constante evolução e aprendizado, que sabia bem o destino ao qual queria se dirigir e estava disposto a assimilar o necessário para até lá chegar.
Quando em sua estreia, O Rei da TV foi bastante criticado pelas supostas “mentiras” que tratava como verdades e pelas liberdades criativas de sua trama. Se deter apenas a este tipo de análise revela um despreparo maior da audiência do que dos realizadores. Afinal, essa não é uma produção documental, em nenhum momento se propõe a ser vista como tal, e, mesmo se fosse, ainda dependeria do recorte do cineasta encarregado em contar tais eventos. Eis, portanto, uma série de ficção, uma obra inspirada em fatos, sim, mas não presa aos mesmos, e cuja maior responsabilidade está na dinâmica como suas ações chegam à tela e a necessidade de atenção e desprendimento que gera em seus espectadores, o que é alcançado com esmero. Cada episódio oferece ganchos específicos para a sequência dos acontecimentos, passado e presente caminham em paralelo sem grandes tropeços para um lado ou outro, e a conclusão é pontual em indicar um aumento de interesse por uma nova temporada (o que parece ser a missão maior de qualquer programa do gênero). É certo que está longe de ser a versão definitiva de Silvio Santos no audiovisual. E é de se imaginar que nunca tenha sido essa a intenção. Mas, enquanto homenagem e gerador de novas ideias, o passo dado é seguro e certeiro.
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