Crítica


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Sinopse

Na segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, Sauron coloca em prática um de seus principais planos: ludibriar um mestre ferreiro élfico para ele forjar anéis capazes de subjugar as raças dos homens, dos anões e dos elfos. Enquanto isso, um mal inominável ameaça surgir das profundezas das montanhas onde os anões cavam sem parar. Confira a crítica sobre a primeira temporada.

Crítica

A primeira temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder causou bastante controvérsia, mesmo não tendo chegado próximo ao público massivo que seus criadores certamente foram incumbidos de atingir. Ambientada na chamada Segunda Era da Terra Média (os filmes de Peter Jackson se passam na Terceira Era), a história trazia uma nova protagonista: a elfa Galadriel (Morfydd Clark). Essa destemida guerreira acabava arrolada no ardiloso plano do Sauron (Charlie Vickers), capiroto disfarçado de possível herdeiro da nobreza entre os homens. Muitos mistérios haviam sido deixados para trás, tais como a enigmática identidade do Estranho (Daniel Weyman), o mago desmemoriado, e como se daria a ruína do reino além-mar de Númenor. A segunda temporada foi decepcionante à medida que tratou esses e outros mistérios de modo apressado, cozinhando-os em fogo baixo até não ser mais possível manter as aparências. Aliás, é muito curioso que se fizéssemos críticas por episódios provavelmente o apanhado geral seria bem mais positivo, afinal de contas as partes são dinâmicas, interessantes e repletas de personagens instigantes. Porém, olhando retrospectivamente para a temporada inteira, ela representou a queda de alguns degraus em relação à anterior, sobretudo pela frouxidão ao lidar com tantas coisas. Núcleos inteiros foram quase desmantelados pela dispersão que marcou essa nova leva.

Havia muitos tópicos a encaminhar e/ou resolver na segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder. Em meio à narrativa principal, a criação dos anéis nas fornalhas de Eregion pelo mestre Celebrimbor (Charles Edwards), um mundo de acontecimentos se desvelou. Sauron assumindo a forma de um ser de luz com propósitos “altruístas”; o Estranho tentando encontrar a sua vocação (leia-se o seu cajado e o próprio nome); um possível golpe de Estado em Númenor; os dilemas resultantes da utilização dos anéis possuidores de poderes dúbios; o isolamento de Isildur (Maxim Baldry); entre muitos outros. E nesse emaranhado de componentes e cenários a serem desenvolvidos muita coisa ficou relegada a um terceiro plano. Por exemplo, o heroico elfo Arondir (Ismael Cruz Cordova), restrito a meia dúzia de aparições genéricas que diminuem demais a sua importância na trama geral. Queremos acreditar que isso tenha sido por mera ineficiência dos roteiristas, não uma cessão aos apelos racistas da parte do público indignada com a existência de um elfo negro. O próprio Isildur, uma figura fundamental na mitologia criada por J.R.R. Tolkien, foi quase completamente escanteado, aparecendo de vez em quando somente para não nos esquecermos dele totalmente. A própria situação conturbada de Númenor, com direito a um tirano assumindo o seu trono, pareceu uma nota de rodapé meio burocrática diante de contextos que ganharam mais importância, como o começo da derrocada do reinado anão.

Mas, nem tudo foi desilusão na segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder. Em determinados momentos, ela chegou próximo da grandeza esperada. A tão aguardada participação de Tom Bombadil (Rory Kinnear), os dramas vividos pelo príncipe Durin (Owain Arthur), além de algumas discussões pontuais que ecoam temas da atualidade foram pontos altos. Por exemplo, um personagem defende que não se criminalize os anéis (a obra) em virtude dos pecados do criador (o autor), com isso replicando na fantasia tolkieniana uma discussão comum na contemporaneidade, isso se ponderar se é aceitável consumir algo feito por um crápula. Numa realidade política como a nossa, em que a extrema direita ascende de maneira preocupante, a tomada de poder de Númenor por um usurpador é a clara manifestação de uma preocupação com a ilegitimidade dos que ocupam os tronos por meio da força. E há, ao menos, uma cena absolutamente brilhante nesses episódios: o momento emocionalmente dilacerante em que pai e filho finalmente se acertam antes que o patriarca, como convém aos grandes heróis, mergulhe rumo à morte no confronto com uma das criaturas temidas da Terra Média. Ao mesmo tempo, os criadores aumentaram as pontes com a saga O Senhor dos Anéis, confirmando certas suspeitas, mostrando artefatos conhecidos do público e aludindo à fundação de reinos.

No fim das contas, entre mortos e feridos, a segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder mantém o saldo positivo, mas com uma queda acentuada em relação ao ótimo primeiro ano. O grande problema foi a dificuldade para dar substância a tantas tramas paralelas, a tantos personagens com importância vital para a partida de xadrez que Sauron começou a jogar com praticamente todos os demais povos da Terra Média. Outro ponto a ser lamentado é a diminuição da importância de Adar (Sam Hazeldine), o pai dos orques, aquele que simbolizava a tragédia de um povo malquisto. Transformado em mais um peão no tabuleiro do ex-ajudante de Morgoth, ele simplesmente aparece como um líder disposto a movimentos arriscados se isso significar a derrota do grande inimigo, mas perde os contornos shakespeareanos do primeiro ano. Infelizmente, as batalhas são rápidas demais para causar um envolvimento emocional mais do que superficial com as possibilidades iminentes de perdas e ganhos. Depois de revelar alguns dos segredos guardados a sete chaves, os criadores pavimentaram o caminho para uma terceira temporada na qual os personagens terão de lidar com a ascensão do novo império do mal enquanto certamente encararão os efeitos do declínio dos reinos da resistência. Tomara que eles recoloquem a série nos eixos, pois “passar de ano de raspão” não condiz com o legado de Tokien.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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