Crítica
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Sinopse
Javier tem cerca de 30 anos e é negligente com sua vida. Depois de ganhar superpoderes, ele precisará lidar com as grandes responsabilidades que vêm a reboque de se tornar excepcional.
Crítica
Filmes de super-heróis são mais do que uma febre passageira – tem se mostrado com força suficiente para se consagrarem como um gênero à parte. E assim como os faroestes ou os musicais, é também um estilo cinematográfico majoritariamente norte-americano. O que não quer dizer, por outro lado, que outros países, olhares e cinematografias também não possam dar o seu pitaco no assunto. E se por um lado muitos se esforçam em apenas reproduzir signos e códigos hollywoodianos, porém com outro sotaque, há os que deixam de lado essas amarras e, partindo de uma premissa comum, se apropriam dela a ponto de oferecer uma leitura bastante particular desse fenômeno. Pois é o que se percebe em O Vizinho, série de dez episódios disponibilizada pela Netflix e produzida na Espanha. Num primeiro momento, está tudo lá, no seu devido lugar. Mas é no decorrer dessa temporada de estreia que as diferenças – felizmente – começam a se manifestar.
Logo no capítulo de estreia, Javier (Quim Gutiérrez, um tipo que até funciona como galã, por mais atrapalhado que se apresente, pois é dono de um carisma bastante próprio) e Lola (Clara Lago, vista em O Passageiro, 2018) acordam atrasados. Ela tem que ir trabalhar, e ele... bom, vai inventar alguma desculpa qualquer. Se por um lado a garota é jornalista e está preocupada em descobrir o próximo furo, em melhorar seu número de seguidores das redes sociais e se mostrar mais relevante no ambiente de trabalho, o namorado demonstra estar mais interessado em vender as camisetas temáticas que produz artesanalmente do que chegar no horário no bar onde trabalha como atendente. Ela vê o futuro, ele está ligado no agora. É o típico casal fora de sintonia. Mas com uma diferença: estão apaixonados. Porém, se ela parece estar pronta a desistir, será ele que lutará por uma última chance. Essa que se apresenta quando surge uma oportunidade de passarem um final de semana romântico no interior.
Acontece que, uma vez lá, logo na primeira noite percebem que nada é o que haviam imaginado. Ou que ela teria esperado, ao menos, pois para ele era apenas mais uma das manobras dadas diante de uma situação complicada – conseguiu o chalé emprestado, então, do que se ganha, não se reclama. É numa caminhada noturna, nesse lugar ermo, que uma explosão inesperada coloca os dois a nocaute. Quando Javier acorda, há um alienígena na sua frente, que o presenteia com um raio sônico, uma pistola cheia de pílulas e um medalhão mágico. O conjunto, quando em ação, o torna um ser invencível. O objeto, ao ser pendurado no pescoço, com um passar de mãos lhe dá um uniforme especial em questão de segundos. E cada um dos comprimidos é quase como um repositor de poderes especiais, como superforça, habilidade de se regenerar fisicamente e capacidade de voar. O que poderia ser melhor, não é mesmo?
Bom, talvez a predisposição para o heroísmo, certo? O que é justamente o que lhe falta. Mas não será por muito tempo, pois, afinal, do que vale um herói sem um ajudante, ou melhor amigo, ou fiel confidente ao seu lado? Esse papel acaba sendo assumido por José Ramón (Adrián Pino, de Grupo 7, 2012), um jovem recém-chegado em Madri. Esse tinha como objetivo a mudança para a cidade grande para poder se concentrar nos estudos e prestar um concurso para um cargo público. Quis o destino, no entanto, que seja o único a presenciar a transformação de Javier. Será ele, portanto, que irá ensinar ao desajeitado sortudo a importância de manter sigilo sobre sua identidade, por exemplo, além de estar atento às oportunidades de fazer o bem e lutar pela justiça. Não que o agora autointitulado “Titã” irá lembrar dessas diretrizes o tempo todo.
A dinâmica que se estabelece, a partir desse momento, será de Javier e José de um lado, um descobrindo o que fazer com as novas habilidades (suas trapalhadas lembram as do Peter Parker de Tobey Maguire em Homem-Aranha, 2002) e o outro se esforçando para manter tudo em segredo, enquanto que do outro estará Lola – agora já separada de Javier – investindo cada vez mais no trabalho de jornalista. E após a existência de Titã se tornar pública através de uma ação dela – ainda que de modo inadvertido – será sua missão número um descobrir quem é o homem por trás da máscara. Outras subtramas paralelas, como o maconheiro que mora no mesmo prédio e que, também pelo acaso, termina por se deparar com o mistério do novo super-herói, ou Julia (Catalina Sopelana), a melhor amiga de Lola que luta por uma vizinhança mais amigável e livre de vícios, ou ainda a namorada de José, que vem do interior para verificar o que está acontecendo com ele, são elementos que, ao invés de se sobreporem uns aos outros, acabam ocupando espaços determinados dentro da história, colaborando para renovar o interesse a cada novo episódio.
Por mais que pudesse ousar além do que acaba entregando, O Vizinho diverte e entretém justamente por se demonstrar confortável dentro do que alcança. Titã não chega a ser um vilão, como em The Boys (2019-2020), nem um revoltado, como Hancock (2008), mas também está longe de ser uma figura consciente das próprias capacidades – o que acaba tornando o conjunto ainda mais engraçado. E se o gancho único a respeito da revelação de sua identidade parece por vezes banal e redutiva demais, os realizadores são hábeis em plantar lá no começo uma semente que será explorada apenas nos minutos finais do último capítulo, agindo de forma eficiente para aumentar as expectativas em relação a um segundo ano. Não há quem não queira ter um ‘amigão da vizinhança’ por perto, mas melhor ainda é saber se esse é alguém no qual se possa confiar. E quando essa transformação não vem de dentro, melhor do que provocar a mudança é observar quem ao redor estaria pronta para assumir aquele lugar vago. Afinal, é da concorrência que surgem as melhores ideias.
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