Crítica
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Sinopse
Amanda é uma médica dedicada que busca aliviar a pressão diária utilizando drogas. Encarando a sua dependência química, ela vê tudo que a rodeia praticamente desmoronar.
Crítica
Onde Está Meu Coração é quase um unicórnio dentro do audiovisual brasileiro. Logo de partida, o espectador será confrontado com uma estrutura novelesca, com tramas e subtramas. Aos poucos, porém, a abordagem se mostrará mais direta, centrada em Amanda, vivida com afinco por Letícia Colin. Caso tivesse insistido nessa pegada, talvez resultasse em uma das investidas mais interessantes da televisão nacional ‘alternativa’, digamos, aquela que está em um ponto intermediário entre o sinal aberto e voltado a um público amplo e as produções de nicho, pensadas diretamente para as plataformas de streaming. Mas faltou coragem – ou vontade – aos realizadores para insistirem nesse tom. Assim, com o avançar dos capítulos, o foco se dissipa, enquanto discussões paralelas ganham momentum por um ou dois instantes, apenas para serem substituídas por outras igualmente irrelevantes logo em seguida. Falta direcionamento ao projeto em deixar claro o que se pretende discutir. O título, afinal, é uma indagação àqueles atrás das câmeras, que mostram não saber ao certo o que pretendiam com o conjunto que apresentam.
Diferente, aliás, do que se verifica na tela. O elenco de Onde Está Meu Coração revela forte entrega, principalmente os quatro intérpretes principais, que exibem com desenvoltura justamente essa bravura que se revela escassa entre os responsáveis pelas decisões ‘artísticas’, por assim dizer. A começar pela própria Colin, que se confirma, de vez, como uma das atrizes mais interessantes de sua geração no Brasil. A primeira vez que chamou atenção de um público mais exigente foi no rodrigueano Bonitinha, Mas Ordinária (2013), quando alcançou um resultado, no mínimo, controverso. Era, de fato, uma aposta alta demais, principalmente para quem estava apenas começando. Na sequência, vieram boas performances em longas que ficaram abaixo do radar, como Ponte Aérea (2015) e Entre Irmãs (2017). Porém, a partir de sua participação na quinta temporada de Sessão de Terapia (2021), ao lado de Selton Mello, revelou um lado mais vulnerável, ao mesmo tempo em que versátil. Isso se confirma também aqui, pois está sobre suas costas a condução da trama, ao menos na maior parte do tempo – o que faz, quando depende apenas dela, com impressionante competência.
A doutora Amanda Meirelles (Colin) é uma jovem médica, bem casada e vinda de uma família amorosa. O marido, o arquiteto Miguel (Daniel de Oliveira, másculo e sensível na mesma medida), é seu porto seguro, e os dois formam uma dupla intensa, disposta a aproveitar o que a vida tem a oferecer àqueles em condições similares, quando um mundo de oportunidades parece se abrir diante deles. Entre outras coisas, há o prazer artificial, proporcionado pelo consumo de drogas. A diferença entre os dois é que, para ele, esta é uma ação recreativa, que visa um deleite imediato, mas não mais do que isso. O limite é tênue, pois para ela a situação é bastante distinta. Amanda se torna dependente, e rapidamente se vê guiada apenas pela necessidade de mais, abrindo mão do que havia conquistado sem muito questionamento. O que lhe importa é apenas a próxima dose, o barato seguinte, a alienação que o entorpecente lhe fornece. Assim, flerta com a bandidagem, por pouco não recai na prostituição e, como consequência, se vê apartada daqueles que amava – inclusive do marido.
Lidar com uma pessoa nessas condições nunca é uma tarefa individual. É por isso que entram na jogada os pais da garota, vividos por Fábio Assunção e Mariana Lima. Ele, como o doutor David – também médico – tem seus próprios fantasmas para carregar, e propõe soluções pragmáticas para o problema da filha: ela precisa ser internada, se tratar e buscar uma recuperação, quer queira ou não. A mãe, por sua vez, é vista por um viés mais emocional, capaz de tomar decisões movidas pelo sentimento materno e menos pelo racional do momento. Essa divisão do casal é reflexo também de um afastamento maior – a crise é real, e não só pelo drama enfrentado pela primogênita – e esse embate irá guiar muitos dos acontecimentos. Amanda acaba ficando no meio do caminho entre o lugar de onde veio (a casa original) e aquele que escolheu para si (o próprio casamento), sendo que os dois estão em processo de desintegração, não apenas pelas suas atitudes, mas também por elas. Estas passagens, graças a um registro duro e frio de uma realidade destruidora e irascível, respondem pelos pontos altos da minissérie, retirando-a de um lugar-comum do gênero e posicionando-a pelo olhar honesto que oferece a um processo passível de identificação: a queda está a apenas um passo.
José Luiz Villamarim (Redemoinho, 2016), o diretor-geral da série, e os roteiristas George Moura, Sergio Goldenberg (Bendito Fruto, 2004), Laura Rissin (Um Casal Inseparável, 2021) e Matheus Souza parecem mais atentos a uma ligação primária entre os tipos que criaram e menos nos eventos entre eles e os impactos dessas ações. Assim, muitos acabam resumidos a uma característica mais forte: a drogada, a sedutora, a virginal, o viril, a amorosa, o durão. Isso até não seria um problema grave, caso estivessem voltados a uma questão em particular. Mas há outros elementos sendo inseridos que irão competir pelos mesmos cuidados, como se cada uma das cabeças pensantes nos bastidores demonstrasse predileção por um caminho à parte dos demais. Assim, abre-se espaço para o alcoolismo paterno, a amante desse, a caçula e suas promessas religiosas, a cliente que vai se insinuando até ter para si seu objeto de desejo tal qual uma menina mimada, e assim por diante. A falta de criatividade em desenvolver tais possibilidades chega ao cúmulo de repetir as mesmas fórmulas – quando uma arma é usada para acusar opositores, nos episódios finais, apenas como ameaça, mas nunca cumprindo seu intento – em meio a uma série interminável de videoclipes (trilha sonora cheia de estilo para disfarçar imagens escolhidas ao acaso, evidenciando passagens de tempo que a textura narrativa não demonstrou competência em desenvolver).
Dessa forma, Onde Está Meu Coração chega ao fim sem responder seu principal questionamento, nem mesmo cumprir o objetivo mais razoável de acompanhar a jornada de queda e resgate de uma viciada. Se na metade inicial aprofunda-se o declínio, a volta por cima é relegada à movimentos rápidos, que não imprimem a gravidade nem o peso destas decisões. Para piorar, há o desperdício de figuras de talento, como Camila Márdila, Rodrigo Garcia e Barbara Colen – todos não mais do que coadjuvantes relevantes apenas na medida em que os protagonistas deles dependem – e um quase desrespeito no trato com o personagem de Fábio Assunção, vítima de um desfecho aquém do que o ator representa – tanto pela força que imprime em cena, como pela carga pessoal que agregou à história. Assim, entre mortos e feridos, quem se salva, mesmo, é Colin, e apenas por ela o todo talvez se justifique, pois para antecipar voos maiores – e melhores.
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