Crítica
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Sinopse
Gilda é uma mulher suburbana cuja independência incomoda a vizinhança, principalmente a religiosa e carola Cacilda, esposa de Ismael, candidato a vereador por um partido ligado estreitamente a um grupo religioso.
Crítica
A minissérie Os Últimos Dias de Gilda é baseada num monólogo teatral concebido por Rodrigo de Roure. Já o texto da adaptação às telinhas é assinado por Gustavo Pizzi (diretor do programa) e Karine Teles (protagonista que havia vivido Gilda nos tablados). A trama dos quatro episódios de cerca de 25 minutos cada é ambientada numa vila do Rio de Janeiro, cujo sentido de atualidade vigora a partir da utilização das presenças ostensivas da religião e das milícias como pilares sociais nessa comunidade humilde. Gilda (Teles) é trabalhadora, indisposta diante das forças que buscam doutrinar seu corpo e suas atitudes. De comportamento despojado e livre, dorme com quem bem entende, assegurando-se de ser a única responsável pelos desígnios de seu desejo. A grande antagonista é Cacilda (Julia Stockler), a religiosa que vê a vizinha (e provável conhecida de longa data) como uma inimiga enviada pelo satanás em pessoa. É muito evidente esse choque brutal entre visões de mundo completamente distintas, diante do qual somos levados a entender Gilda como um alvo/epicentro.
De vez em quando, cartelas com frases de efeito variável e breves deslocamentos à dimensão visual contendo uma escuridão aparentemente infinita surgem para enfatizar pontos nem sempre verbalizados/discutidos. Os Últimos Dias de Gilda é uma colcha de retalhos geralmente bem costurados, sobretudo nos seus dois primeiros episódios. Os dotes culinários da protagonista são carregados de sensualidade, mas não para reduzir os apontamentos relativos a ela ao viés erótico, à desinibição com que alguns exercem o direito inalienável sobre o querer, mas enquanto forma observar exatamente como Gilda encara a vida. Ela faz tudo com tesão, da atividade cotidiana da criação e posterior abate de porcos e galinhas à impetuosidade com a qual coloca as garras para fora diante da necessidade de fazer prevalecer vontades. De alguma maneira, ela leva às últimas consequências, como um imperativo, a noção de propriedade, vide a frequência com que defende a casa de intrusões e incursões inconvenientes, bradando que ninguém pode arbitrar nada dentro de seus muros.
A maior questão subjacente de Os Últimos Dias de Gilda é a territorial. Logo, fica claro que Gilda circula por ambientes que lhe são convidativos, como o terreiro consagrado às religiões de matriz africana. Ao contrário do que pode parecer, a personagem interpretada com intensidade por Karine Teles não está em busca de subverter a ordem local, de certo modo tradicional, porque insistentemente reafirma os preceitos da lógica da propriedade. Ela representa uma anomalia justamente porque insiste em universalizar esse conceito, ou seja, defende o direito de cada um usufruir de sua casa, da fé, do sexo, da intimidade, enfim, de tudo que lhe aprouver. Gustavo Pizzi investe numa ciranda de afetos que engloba o exercício do sexo com vários parceiros, sem que em qualquer instante eles reclamem privilégios a respeito da atuação de Gilda no campo afetivo. Ela torna natural a liberdade de gestos que aos religiosos parece uma afronta. Tanto, que estes vivem querendo impor aos demais as suas crenças, trazendo a política e a violência como aliados num jogo torpe e desigual.
Uma vez estabelecidos os personagens, bem como desenhado o contexto, Os Últimos Dias de Gilda imbica rumo à prevalência crescente da brutalidade, com isso perdendo a desenvoltura em prol da mensagem. Na medida em que o local passa a ser hostil, por força do casamento entre evangélicos, milicianos e políticos – de tal forma que fica difícil diferencia-los – Gustavo Pizzi flerta mais abertamente com estereótipos e arquétipos, inclusive por não investir no desenvolvimento de situações ao ponto de substanciar com nuances as transformações. É abrupta a mutação do espaço, antes sem tantas censuras ao modo de viver de Gilda, num lugar em que ela sofre por conta da obscuridade gradativa. A minissérie utiliza bem as elipses, mas, especialmente nas duas partes derradeiras, os saltos temporais que suprimem acontecimentos e intervalos impõem a sensação de pressa. A protagonista perde pessoas queridas, é privada de seus amores, nesse ínterim também sendo levada a reconfigurar-se para resgatar uma soberania que antes parecia natural como espirar.
Karine Teles está excepcional como Gilda. Ela atribui genuinidade ao percurso dramático da personagem, fazendo de si o principal/último estágio da resistência. Embora levada a dialogar, a brigar, essa mulher se expressa melhor de modo não verbal, valendo-se do corpo, disponível ao prazer e à luta, assim como por meio do processo alquímico dos sabores para temperar uma vida repleta de contratempos. Em Os Últimos Dias de Gilda as pessoas são o que aparentam, sem véus escondendo filigranas ou afins. Não há surpresas, existem poucas viradas, num processo de identificação com a simplicidade atribuída à convivência em áreas menos populosas, tais como os subúrbios. O enredo acontece numa faixa em que todos se conhecem. Por isso mesmo soa exagerada a reprimenda repentina a Gilda, sem que Gustavo sinalize, por exemplo, a significativa mudança de perfil dos moradores. O grande problema da minissérie é efetivamente a sua curta duração, algo sobressalente não apenas pela correria das partes derradeiras, mas pelo sabor residual de “quero mais” que fica após o encerramento simbolicamente bonito, mas igualmente fruto de uma brusca sororidade ampliada.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 8 |
Daniel Oliveira | 8 |
MÉDIA | 7.3 |
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