Crítica
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Sinopse
Rick Sanchez é um cientista genial e alcoólatra que foi morar com a família de sua filha Beth, uma cirurgiã cardíaca de equinos. Ele divide seu tempo entre desenvolver projetos altamente tecnológicos em seu laboratório (garagem da casa de Beth) e levar seu neto de 14 anos Morty em aventuras perigosas e surreais pelo Multiverso. Combinados com tensões preexistentes dentro da família, esses eventos causam ao sensível Morty muito angústia em casa e na escola.
Crítica
Com o acúmulo de temporadas, séries tendem a perder fôlego, algo relativamente normal. O que era novidade, agora deixa de ser. Personagens plenamente apresentados encaram os limites relativos às reviravoltas e àquilo em que podem ser explorados efetiva e/ou emocionalmente. Mas, há também programas que, embora não tentem necessariamente revolucionar-se a cada ano, mantém fervilhando o potencial de seus universos. E quanto mais ilimitados estes forem, maior a probabilidade de que alguma mesmice não atrapalhe tanto a experiência do público. Rick e Morty é uma das mais elogiadas animações dos últimos anos. Também pudera. As aventuras tresloucadas protagonizadas pela mente mais privilegiada do universo, Rick Sanchez, e por seu neto, Morty, é subversiva, divertida e reflexiva em semelhantes medidas. Os criadores são capazes de colocar os personagens ao encontro de uma revolta interplanetária apenas para mostrar o quanto a sua humanidade é atravessada pela incorreção e por aquilo que os torna absolutamente controversos, ambíguos e até falhos.
Na quarta temporada de Rick e Morty, as coisas começam mornas. Não se trata, porém, de falta de criatividade. As tramas continuam explorando engenhosamente as infinitas possibilidades contidas nos mundos sem fim, dentro das incontáveis realidades. Mas, efetivamente, embora a peteca não caia ao ponto de incomodar, determinados arcos são resolvidos de modo acelerado, isso sem contar as repetições, tais como os episódios que servem para que Morty tenha lições existenciais valiosas. Em No Limite da Morty: Rick, Morra Rickpita (1º), o garoto é confrontado com as inúmeras formas por meio das quais pode morrer, isso de acordo com suas escolhas. Já em O Tanque de Ácido (8º) o velhote cria um dispositivo para fazer o guri salvar pontos específicos que o permitem experimentar uma vivência sem consequências. O que falta um pouco no primeiro, e sobra no oitavo, é a lição de moral carregada de profunda ironia. Nesta fração, Rick manipula o neto a fim de provar que a ideia do tanque de ácido é boa o suficiente para ser qualificada como uma das traquitanas geniais.
Também é possível observar uma repetição de estrutura entre Um Estranho no Ninho (3º) e Fãs do Rick (6º). Ambos utilizam a trama-dentro-da-trama-dentro-da-trama. E, novamente, o episódio que faz parte da metade final da temporada é melhor, por conta não apenas da agitação dos personagens em meio a coadjuvantes que contam histórias sobre o inventor – com direito a uma piada corrosiva sobre narrativas não centralizadas em homens e o Teste de Bechdel –, mas por tudo estar contido na banalidade de um brinquedo. Porém, é deliciosa a anterior apropriação dos arranjos do filme de assalto para mostrar personagens numa competição maluca repleta de reviravoltas, empilhando-as inclusive para brincar com os cânones sedimentados do heist film. Apesar das reincidências temáticas e de esqueleto, Rick e Morty não apresenta momentos baixos o suficiente para que essa temporada seja considerada menos do que ótima. E ainda tem lampejos de excepcionalidade. Destaque à cruzada de Rick para descobrir quem está utilizando sua privada particular num planeta isolado.
No cosmos habitado por Rick e Morty há diversas metáforas engraçadas, tais como as turbulências sociais de uma sociedade de serpentes, dentre as quais sobressaem as nazistas. Pequenos gestos continuam gerando consequências catastróficas, como quando alguém salva um animal e com seu ato de bondade coloca em risco milhares de seres. Rick e Morty acerta ao tripudiar sobre o comportamento dos personagens, mas também ao colocar uma lente de aumento escrachada em cima de suas mais ordinárias decisões. Em Os Sugadores (7º), o esquecimento dá a oportunidade de um ente querido se tornar uma espécie de déspota involuntária. Algo parecido com a circunstância que permite ao genro bundão se transformar numa espécie de representante da divindade de um planeta aparentemente grávido de Rick. Aliás, Gravidez (9ª) é o melhor episódio dessa temporada, com direito ao embate entre ciência e religião, a organização social baseada na descartabilidade, o que gera a revolta liderada por alguém despreparado, e a atuação das crianças chapadas salvando o dia.
Principalmente ao temperar os arcos com essas sátiras ferrenhas da trivialidade do ser humano, a série intensifica o impacto de situações nada ortodoxas. Dando seguimento à questão da paternidade ausente, A Grande Missão (10º) coloca lado a lado a Beth de todos os dias aquela que se torna a pessoa mais procurada do universo por sua irascibilidade. Qual delas é a verdadeira? Por que Rick colocou uma bomba no pescoço da revolucionária? Questões respondidas próximo ao fim, em que o inventor da viagem interdimensional parece frente a um abismo sentimental. Mas, a julgar pela personalidade desse cara que sempre tem uma carta na manga, dá para imaginar que o “bode” não vai durar muito. Rick e Morty continua sendo cáustico, perspicaz e aparentemente sem limites no intuito de mostrar que, a despeito da tecnologia, o humano é um patético grão de areia na vastidão do universo, palavras estas que cairiam muito bem na boca do deliciosamente arrogante cientista que gasta enormes recursos somente para poder cagar em paz no planeta que parece um paraíso.
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