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Sinopse
A delegada Carolina comanda a Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, em São Paulo. Entre suas responsabilidades, está a missão de desmantelar uma organização neonazista e descobrir o responsável pelo assassinato de uma jovem mãe solteira.
Crítica
Num país do tamanho do Brasil, deveria causar espanto o número limitado de atendimentos oficiais para aqueles que necessitam de ajuda em casos de transgressões provocadas por ódio ou preconceito. Pensando nisso, a cineasta Susanna Lira desenvolveu o filme Intolerância.doc (2016), um dos seus trabalhos mais reconhecidos. Mas como a pesquisa dela lhe abriu diversas portas, seria quase irresponsável não aproveitar esse conteúdo em outros desdobramentos. Assim, surge a série Rotas do Ódio, um dos seus primeiros trabalhos em outra seara, a da ficção. E o ponto de partida foram histórias reais que ouviu entre os funcionários da DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – uma das únicas de todo o país, localizada em São Paulo. Assim, conseguiu elaborar um programa compacto, que talvez até funcionasse no formato de longa-metragem, mas que também ganha consistência por conseguir se aprofundar nos dramas dos seus personagens durante os cinco episódios dessa temporada de estreia. E ao mesmo tempo em que desvenda possibilidades, trata de encerrar apenas as necessárias, utilizando com competência os ganchos ao seu alcance para que a atenção siga em alta.
A protagonista de Rotas do Ódio é a delegada Carolina, vivida com afinco por Mayana Neiva. Atriz geralmente subestimada na televisão – participou de novelas como Ti Ti Ti (2010-2011) e séries como O Hipnotizador (2017-2018) – ela tem conquistado um espaço maior no cinema, tendo aparecido em destaque em títulos como o campeão de bilheterias Os Normais 2 (2009), o argentino Infância Clandestina (2011) ou o drama Para Minha Amada Morta (2015), pelo qual foi indicada ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. Dona de uma beleza inegável, é uma feliz surpresa perceber que aqui esse elemento quase não chega a ser debatido – sua força está centrada no caráter rígido e na determinação com que se debruça sobre os casos que tem em mãos. É pelo compromisso que demonstra, tanto a intérprete quanto a personagem, que o espectador se verá impelido a seguir adiante, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, mas também disposto a descobrir quais outras revelações uma atuação tão longe da sua zona de conforto poderá oferecer.
Responsável pelo DECRADI, Carolina tem como braço direito o detetive Júlio (Antonio Saboia, que não ofusca as atenções, ao mesmo tempo em que é capaz de garantir uma posição privilegiada). Ao pedirem por reforços, uma vez que as demandas se acumulam diariamente diante deles, recebem a transferência de apenas um policial, Teodoro (Marat Descartes, eficiente em esconder segredos que serão trabalhados depois). No entanto, o primeiro personagem com o qual a audiência se depara, logo no episódio de estreia, é o jovem Dime (Michel Joelsas, deixando definitivamente para trás a criança de O Ano em que Meus Pais saíram de Férias, 2006, ou o adolescente de Que Horas Ela Volta?, 2015). Está passando por um ritual de admissão, ou seja, acaba de ser aceito na Falange, um grupo de neonazistas skinheads da capital paulista. Como primeira missão, terá que acompanhá-los em um embate contra o principal grupo rival, os punks. No meio da luta, que toma conta de uma rua atraindo não apenas quem estava por perto, mas também a polícia, alguns acabam presos, outros tantos são dispersos, e é justamente o recém-chegado que terá o pior destino: a emergência do hospital mais próximo.
Uma vez sob cuidados médicos, o rapaz percebe, enfim, onde se meteu e o perigo que agora o rodeia. É ambiente propício, também, para que a policial possa dele se aproximar e lhe fazer uma proposta de risco, mas também irrecusável diante da atual situação. Como os novos colegas dele tem como lema “aqui se entra vivo e só se sai morto”, a única maneira de escapar com segurança será agindo como agente duplo, ajudando-a em sua investigação para o desmantelamento da organização. Esse não chega a ser um dos argumentos mais originais, mas funciona pelo comprometimento dos atores – tanto Michel quanto Mayana mergulham com gosto nos dilemas vividos na história – como também pelo carisma dos tipos que defendem, que permitem um envolvimento contínuo com a audiência. Mas há mais, e ao se depararem com o corpo de uma moça, mãe solteira e de origem humilde, os policiais terão outro mistério pela frente – ou, como irão percebendo aos poucos, a necessidade de ligarem os pontos e resolverem um enigma maior, que une tanto as agressões entre as gangues como também esse assassinato aparentemente sem explicações, mas capaz de envolver outras esferas.
Desde a abertura de cada episódio, que acompanha um olhar que transita de uma a outra minoria, da prostituta ao favelado, no negro ao travesti, e assim por diante, Rotas do Ódio deixa claro estar interessado em ter esse tipo de discussão com o espectador. Lembrando de situações que se tornaram notórias por todo o Brasil, como o casal gay que sofreu um ataque homofóbico na avenida Paulista ao apanhar com lâmpadas fluorescentes, o programa não apenas torna o seu discurso atual, mas também urgente e necessário. Mas não se trata apenas de denúncia. O olhar atento sobre os bastidores daqueles que vivem por um discurso de raiva e incompreensão também permite não um entendimento, mas uma busca por uma solução que ajude a evitar que se chegue até esse ponto. Por outro lado, a diretora faz uso de um forte discurso político, que vem tanto na forma daquele ligado ao governo estadual, como também na presença dos mais frágeis de toda essa cadeia, aqueles que, geralmente, mais sofrem, tanto por um viés, como por outro.
Nem tudo são flores, no entanto, e há questões que poderiam ser melhor trabalhadas. O que levou Dime a se unir à Falange? Por que o envolvimento dele com a delegada se dá sempre de modo tão exposto, como se cuidados maiores não fossem necessários? Mesmo a grande revelação final não consegue ser surpreendente, uma vez que se antecipa a mesma sem muito esforço. Com esse quadro em mãos, Rotas do Ódio propõe um debate imprescindível, ainda que nem sempre tais questões sejam expostas do modo mais consistente. Como dito acima, as intenções envolvidas até podem ser as melhores, mas não suficientes para garantirem, sozinhas, os esforços envolvidos. Há mais em cena, e será por cada um dos tipos desenhados, estejam eles em qualquer um dos lados observados, que o discurso encontrará sua validação. Sem nunca esquecer, é evidente, que se trata de um começo, mas capaz de abraçar um potencial que precisa e merece ser mais e melhor explorado adiante.
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