Scenes From a Marriage :: T01
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Amy Herzog, Hagai Levi
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Scenes From a Marriage T01
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2021
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Os altos e baixos de um relacionamento em crise. O obstáculos para que um elo amoroso continue existindo são muitos. Jonathan e Mira evidentemente se amam, mas são entravados pelas armadilhas do discurso romântico.
Crítica
Pesa sobre Scenes From a Marriage o fato de ser a nova versão de Cenas de um Casamento (1973), uma das obras-primas do cineasta Ingmar Bergman – que teve corte cinematográfico, mas que originalmente é uma minissérie. O original chacoalhou a sociedade sueca nos anos 1970, ao ponto de motivar um aumento de divórcios no período de sua exibição na televisão do país nórdico. Um fenômeno social, portanto. Mas, é bom que partamos de uma constatação: essa reimaginação norte-americana não fala de um casal europeu de classe média nos anos 70 e do contexto sociocultural atrelado a tal cenário. A minissérie desenvolvida e dirigida por Hagai Levi se passa nos Estados Unidos dos anos 2021, ou seja, há uma transposição cultural, temporal e geracional que merece ser observada. Os protagonistas agora são representantes de uma configuração familiar em que, por exemplo, a mulher mais bem remunerada é incumbida de ser a principal provedora da casa. E isso tem um impacto implícito no desenrolar das tramas. Mira (Jessica Chastain) é executiva de uma empresa que lhe obriga a viagens longas. Por isso, seu marido, Jonathan (Oscar Isaac), acaba permanecendo mais no âmbito doméstico, cuidando da filha do casal e trabalhando em home office. No entanto, o cineasta não fica detido na construção de um ruído proveniente dessa formatação que nem sempre é tida como corriqueira numa sociedade patriarcal. Os protagonistas parecem adequados a essa ordenação ditada pelo capitalismo.
Já no primeiro episódio de Scenes From a Marriage, Hagai Levi traz à tona alguns elementos que dizem mais respeito às configurações atuais dos relacionamentos amorosos. Ao receber um casal de amigos que se permite outros parceiros (eles têm um casamento aberto), os personagens principais formam inicialmente um contraponto evidente com a sua lógica relacional mais tradicional (eles têm um casamento monogâmico). Parece que teremos um antagonismo. Porém, em meio às conversas sobre inseguranças e afins, o saldo é: não há modelos perfeitos de união, sejam os abertos ou os fechados. Os elos afetivos tendem a ser atravessados pelas crises motivadas por impossibilidades de conciliação. É justamente esse o princípio da minissérie de Bergman que Levi mantém como algo norteador. Se no começo da carreira do cineasta sueco o principal mote de seus filmes era a dificuldade de entendimento entre gerações diferentes – adultos confortáveis com a tradição versus adolescentes querendo viver de modo mais libertário –, aos poucos essa falta de harmonia quase natural foi deslocada aos vínculos amorosos. Diferentemente de outras obras (filmes, séries, livros) que partem de premissas e simplificações atrelados ao discurso romântico, na sua Bergman colocava uma lente de aumento na complexidade dos gestos e dos sentimentos. E a nova versão preserva (à sua maneira) essa perspectiva desalentada e pessimista se colocada em paralelo com o otimismo exacerbado do romantismo.
Jonathan é um personagem feito de múltiplas camadas. Fruto da tradição judaica, ele carrega intrinsecamente em suas ações/reações as dinâmicas próprias da fé dentro da qual foi educado. Em vários instantes de Scenes From a Marriage, esse homem demonstra fragilidade, cede demasiadamente à culpa, tem episódios de conturbação sentimental e assume uma retórica sofredora. Ele é alguém a quem somos intimamente aproximados, o sujeito largado pela esposa que continua zelando pelo lar – cuidando da filha, organizando as questões burocráticas da separação, dormindo com a menina para que ela sinta menos a ruptura. E Oscar Isaac apresenta novamente um trabalho notável de composição ao delinear um personagem poroso, que não pode ser encaixado em lugares pré-determinados capazes de o reduzir a comportamentos A ou B. Muito da intensidade dramática de Jonathan tem a ver com os jeitos do ator expressar as sutilezas/minúcias. Isso, sobretudo quando a vontade de Jonathan é camuflar anseios e medos pela aparência de um homem racional. Jonathan procura terapia, tenta compartimentar a tempestade que atravessa a casa quando Mira anuncia que está indo embora. Ele sistematiza as dores e as frustrações, sendo o que está à mercê da angústia. Em vários momentos da série somos convidados a nos compadecer dessa sua segurança emocional que é estilhaçada.
Já Mira é uma figura não menos instigante e multidimensional. Executiva bem-sucedida, ela tem uma vida confortável ao lado do marido, mas não se sente plenamente feliz. Tanto que sua cena capital em Scenes From a Marriage é o desespero aparentemente inexplicável com que anuncia o caso extraconjugal. Ela anuncia repentinamente que está saindo de casa, naquele momento, por alguns meses, com o novo namorado. Hagai Levi tem o cuidado de manter o foco na dicotomia possibilidade/impossibilidade. O ser humano não é apenas aquilo que deseja ou realiza conscientemente. E isso está contemplado nas frestas dos diálogos, nas hesitações, nos interditos sugeridos. Por mais que pareça cruel da parte de Mira chegar assim, de supetão, e ocasionar um terremoto que ameaça desestabilizar a família, é possível perceber que a aflição da mulher tem a ver com o desespero diante da constatação de que aquela confusão pode ser a sua única brecha. Jessica Chastain tem um desempenho igualmente intenso e permeável a diversas leituras, principalmente durante o episódio em questão. Fica evidente nas entrelinhas que a infelicidade era uma companheira constante na vida dessa mulher angustiada no seio de um lar que tinha tudo para lhe prover uma felicidade incontestável. Depois de várias tentativas frustradas de externar descontentamento, ela encontra uma maneira atabalhoada, sem dúvida, mas talvez a única capaz de romper a blindagem inconsciente que o marido criou domesticamente para qualificar o casamento como imperturbável. Ainda assim, somos convidados a sentir mais compaixão de quem permanece.
Evidentemente que as comparações são inevitáveis. Esse novo Scenes From a Marriage é bem mais verborrágico, explosivo e expositivo do que o sueco. Ingmar Bergman trabalha de maneira determinante a carga dos silêncios e os elementos implícitos. Em que pese o fato de Hagai Levi não ser Bergman, tampouco Oscar Isaac ser Erland Josephson e Jessica Chastain ser Liv Ullmann, o saldo da releitura é bastante positivo. Primeiro, pelo ímpeto de trazer a história do casal em crise para os anos 2020, nos Estados Unidos. O realizador do remake parece adicionar uma pitada de Tennessee Williams na pegada bergmaniana que carrega muito de Henrik Ibsen e Anton Tchekhov (influências assumidas em vida por Ingmar Bergman). Oscar Isaac e Jessica Chastain têm desempenhos fortes como esses dois personagens fraturados na essência pelo desmonte do discurso amoroso secular que pressupõe romances eternos, a necessidade de ter alguém ao lado e os vínculos que deveriam obedecer as vontades do destino "benevolente". Também são perceptíveis nessa trama as amarras sociais, a influência da religião e as expectativas do mundo externo. Ao longo dos cinco episódios é possível identificar pequenas mudanças, grandes mudanças, aprendizados, arrependimentos de tamanhos igualmente variáveis, e a preservação da capacidade de identificação que vem de um diagnóstico minucioso de padrões e repetições inconscientes. Aquilo que nos parece pessoal e intransferível, na verdade não é tanto assim, pois faz parte de um status quo emocional que é regido pela forma como somos ensinados a amar.
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