Crítica


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Sinopse

Cinco professores resistem à péssima infraestrutura da escola onde lecionam, no turno da noite, ao abandono institucional e à falta de reconhecimento e renovam cotidianamente a fé no trabalho que realizam. Os alunos, por sua vez, encaram demandas bastante particulares para continuar sonhando com dias melhores.

Crítica

Narrativas de superação geralmente são baseadas no conceito do “basta acreditar”. Um personagem passa por situações adversas, recebe (ou não) ajuda externa e chega ao sucesso quando começa a crer na própria capacidade. Essa abordagem é identificada também nos discursos de profissionais que vendem motivação como fórmula infalível para realizar sonhos grandiosos. Não deixa de ser um conto de fadas, pois ter fé no seu taco nem sempre é um caminho infalível para vencer. A primeira temporada de Segunda Chamada teve como personagens secundários homens e mulheres pertencentes a grupos minorizados que encontraram na escola as ferramentas para almejar um futuro melhor. Ainda que alguns conflitos tenham sido resolvidos com uma rapidez quase conveniente, sobressaiu o entendimento de que vários fatores precisam estar alinhados para determinar o amanhã de alguém. Nesse sentido, os professores são incentivadores essenciais. Porém, há a configuração social, barreiras de toda sorte, discriminações e dificuldades pessoais para seguir perseverando.

O primeiro episódio da segunda temporada insinua que o esqueleto será basicamente o mesmo. Há nele a apresentação de alunos novos. E cada um é representante de algo a ser encarado/debatido. Os mestres continuam lidando com as precariedades do ensino noturno da rede pública e, ao mesmo tempo, enfrentando as demandas pessoais de amores, filhos, ex-maridos, mães biológicas e afins. Seguindo a máxima de “em time que está ganhando não se mexe”, os criadores seguem trilhando o caminho bem-sucedido anteriormente, diversificando somente nos tipos recortados e, por conseguinte, nos assuntos que devem ganhar relevo. Duas questões se impõem nos menos de 50 minutos dessa parte inaugural: os estereótipos reducionistas e as dificuldades específicas de alguém doente. A briga entre o aluno indígena e o paraibano que questiona sua identidade é motivo para uma explanação bem didática da professora vivida por Hermila Guedes. Para alguns, talvez essas resoluções que vêm depois de explicações pareçam fruto de um simplismo. E realmente são.

No entanto, é preciso contextualizar. Estamos falando de uma série exibida na televisão aberta, que procura dialogar com públicos heterogêneos e que nem por isso subestima a capacidade do espectador. Numa realidade em que até o cinema de aspiração estritamente comercial tende a permanecer retratando vidas socialmente mais pacatas e desventuras amorosas impressas em cartões postais ou regiões nobres, Segunda Chamada é ambientada numa escola noturna, existente no seio de uma comunidade periférica cercada de violência e miserabilidade por todos os lados. Quando a docente interpretada por Débora Bloch – que, ao que tudo indica, assume de vez o papel da “professora coragem” – vai atrás do aluno que faltou ao primeiro dia, ela se depara com uma realidade que independe da vontade dele. Driblando todos os problemas cotidianos, o jovem tinha decidido persistir e ser orientado pela educação rumo ao futuro. No entanto, não “basta querer”, pois há conjunturas externas que precisam ser encaradas. Os personagens muitas vezes não têm escolha.

Mesmo que flerte com o simplismo ao apaziguar ânimos exaltados entre os alunos, Segunda Chamada segue mantendo o foco no humano e na capacidade do crescimento orientado pela educação. Com todos os problemas da escola Carolina Maria de Jesus – homenagem à proeminente compositora, escritora e poetisa negra brasileira –, sempre há a brecha para a empatia. Pelo jeito, o personagem de Moacyr Franco vai ocupar a vaga do homem idoso/fragilizado preenchida no primeiro ano por José Dumont. Se antes a questão que vinha a reboque da existência da terceira idade numa escola repleta de jovens adultos era a mendicância, agora o acolhimento precisará ser exercitado diante de alguém doente. Como dito anteriormente, a fórmula de sucesso é reproduzida à risca, inclusive quanto à ênfase dada ao que de melhor repousa até em quem faz questão de projetar seu pior. Parece pouca coisa, mas é muito relevante que uma série como essa, veiculada na maior televisão do Brasil, discuta tópicos retorcidos nas redes sociais como pautas “comunistas”, mas que são reivindicações legítimas para combater a invisibilização e os preconceitos enraizados no nosso tecido social.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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