Crítica
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Sinopse
O jovem casal Dorothy e Sean Turner contratam Leanne para ser a babá de seu filho recém-nascido. Mas, com o passar do tempo, fica explícito que nada é realmente o que parece.
Crítica
A estranheza faz parte do conjunto. Afinal, a assinatura de M. Night Shyamalan (aqui, como produtor executivo e diretor do episódio de estreia, não por acaso batizado de Reborn, ou Renascimento) não se faz presente ao acaso. Por mais que o cineasta indicado ao Oscar pelo marcante O Sexto Sentido (1999) não esteja envolvido nos roteiros (tarefa que desempenhou em todos os seus longas para o cinema) e nem na direção da maioria dos dez capítulos dessa primeira temporada, é na identidade dele em que se apoia a série Servant, um dos carros-chefes da plataforma de streaming AppleTV+ (salvo engano, foi a primeira a ganhar uma segunda – e já confirmada uma terceira – leva de episódios). Afinal, trata-se de uma história de suspense com um pé (ou dois, dependendo do ponto de vista) no sobrenatural, repleta de ganchos – ou reviravoltas, pelas quais o realizador se tornou conhecido – capazes tanto de estimular o espectador a seguir atento aos seus desdobramentos como em confundir esse mesmo, driblando convicções e propiciando novas leituras a cada instante. Um cenário que pode se mostrar interessante ao longo de duas horas, mas que tende ao desgaste – e ao excesso – ao longo de várias semanas.
O casal Sean e Dorothy Turner – vividos em cena por Toby Kebbell e Lauren Ambrose, dois atores que até o momento não encontraram grandes oportunidades no cinema, mas se destacaram em trabalhos anteriores na telinha, como nas emblemáticas séries Black Mirror (The Entire History of You, T01 E03, 2011) e A Sete Palmos (2001-2005), respectivamente – está atravessando um momento de luto: o bebê que tiveram recentemente, o primeiro deles, faleceu. Não se sabe exatamente, ao menos não no começo da temporada, quais foram as condições que levaram ao óbito, mas o certo é que cada um está lidando com a perda de uma maneira diferente: se para o marido a dor, ainda que presente, não o impediu de levar a vida adiante, para a esposa o trauma se deu de outro modo, paralisando-a a ponto de não mais saber como proceder diante do ocorrido. A solução que encontram, que a princípio deveria ser temporária e terapêutica, foi a substituição do falecido por um boneco infantil – exatamente como os que se dão de presente para crianças.
Se Sean encara aquilo como o meio para um fim, Dorothy deixa claro não mais discernir o real do fantasioso, e passa a tratar o brinquedo como se seu filho fosse. Isso, por si só, já seria assustador. Mas é apenas o começo. Afinal, Servant de fato inicia com a chegada de Leanne (Nell Tiger Free, de Game of Thrones, 2015-2016), a babá contratada pela família para cuidar do recém-nascido. Mas se ele sabe que não há mais filho para ser observado por uma cuidadora, e tudo faz parte de um processo de cura, por qual razão se deixa levar além dos limites do que poderia ser considerado como razoável – ao menos para a maioria das pessoas? Enfim, se tal recepção, por si só, parece ser um pouco demais da conta, a situação piora quando a nova empregada desce do quarto do menino carregando-o no colo – e com vida! Sim, Jericho não é mais um pedaço de pano e plástico. Ele agora chora e dorme, mama e faz gracejos quando estimulado. A mãe não percebe nada de errado, e fica feliz com a alegria do pequeno. Já o pai, se surpreso pelo que se sucede diante dos seus olhos, faz o possível para que tal impressão não seja percebida pelas duas mulheres ao seu redor.
Enquanto drama familiar, Servant é claustrofóbico o suficiente por centrar grande parte da sua ação em apenas três personagens – e um bebê, é claro. Poucos são os respiros que vem do exterior. O mais constante é o irmão de Dorothy, Julian (Rupert Grint, em sua primeira aparição de destaque desde o final da saga Harry Potter). Consciente das dificuldades enfrentadas pela irmã, é a ele quem o cunhado recorre nos momentos de desespero. Mas os dois são homens fracos, frágeis e inseguros. De nada servem diante da obstinação e certeza dessas presenças femininas tão poderosas. Além do mais, Sean tem seus próprios problemas com os quais lidar. Chef de cozinha disputado de norte a sul – ou seria de leste a oeste? – do país, vê o maior dos seus medos se concretizar quando começa a perder o paladar. Nada do que cozinha parece ter gosto, o sabor lhe foge. A angústia pessoal se reflete no trabalho, e a ausência de cores no interior de sua casa passa a se manifestar também nos pratos que prepara, todos iguais para ele, por mais que quem o circunde declare o contrário. Ao mesmo tempo, Dorothy vem conquistando um espaço cativo na televisão, como repórter e apresentadora. Os olhares estão nela. E sua satisfação é evidente.
O mistério a respeito dessa insólita situação percorre, indiscutivelmente, a presença de Leanne. Qual o passado dessa garota? De onde veio, e o que trouxe consigo? Quais suas intenções nessa casa e, principalmente, com essa família? Se questionar quem é – e de quem é – o bebê que se apresenta à sua frente soa quase proibitivo – afinal, de tão óbvio, termina por ser suplantado por dilemas mais urgentes – há, como dito, mais com o que se preocupar antes. A visita de supostos familiares da garota e a interferência de outros próximos dos Turner – a melhor amiga, o sogro – que, de uma forma ou de outra, acabam se envolvendo com o drama vivido pelo casal, servem tanto para medirem a temperatura dessas relações como também para irem acrescentando novas camadas de temperos à receita que está se desenrolando. É um prato de altíssimo apreço, feito com extremo refinamento, e não há pressa no seu cozimento. Então, o certo é aproveitar os aperitivos ofertados pelo caminho, pois paciência é mais do que uma virtude: é essencial para se alcançar o destino almejado.
Sem se preocupar em responder todas as perguntas que vão surgindo durante o desenrolar dos capítulos, Shyamalan e Tony Basgallop (24 Horas: O Legado, 2017), showrunner e responsável pelo argumento da produção, dão a impressão de estarem mais interessados em somar dúvidas e possibilidades do que em fechar portas e oferecer conclusões definitivas. Dessa forma, a primeira temporada de Servant, por mais que apresente um desfecho mais ou menos aceitável, evidencia também intenções de ir além do que oferta nesse início, optando por dialogar com aqueles presos pelo anzol que lança ao invés de se ocupar com os que podem eventualmente se cansar pela ausência de explicações. Intrigante e, por vezes, desnecessariamente redundante, ao menos tem como mérito apostar numa eventual originalidade, investindo no risco ao invés de seguir por caminhos mais seguros. Pode pecar – e, de fato, tal ousadia não deixa de cobrar seu preço – mas o faz com determinação e destreza ao lidar com alguns dos mais caros signos do gênero. E, por isso, justifica um olhar atento.
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