Crítica


8

Leitores


3 votos 8.6

Sinopse

Antes, Otis não conseguia se masturbar. Agora, vencido esse problema, ele tem outro, que vai no sentido oposto: não consegue parar de se masturbar. Em meio a isso, a escola é assolada por um suposto surto de clamídia e Maeve precisa decidir se vai voltar à escola ou simplesmente desistir.

Crítica

Na primeira temporada de Sex Education, Otis (Asa Butterfield), o protagonista, sofria com uma dificuldade para masturbar-se – na verdade, ele sequer conseguia praticar. Agora, a julgar pelo ótimo episódio inaugural do segundo ano, ele precisará lidar com um transtorno exatamente oposto, não menos potencialmente angustiante. Uma vez liberto de determinadas travas que o impediam de expressar individualmente sua sexualidade, ele tem ereções em momentos inoportunos, frequentemente recorrendo à boa e velha punheta para aliviar-se. A série precisa deste paradoxo, o adolescente que ajuda seus colegas com conselhos relacionados às suas vidas íntimas ao passo em que é acossado por problemas nessa seara. É mais ou menos o que acontece em Shortbus (2006), filme no qual uma terapeuta sexual não tem orgasmos. Tal dinâmica separa a teoria da prática, colocando-as no seu devido lugar, não as atrelando de maneira simplória ou taxativa.

Ao redor de Otis gravitam coadjuvantes cujas singularidades continuam permitindo discussões que dizem respeito, de modo praticamente universal, ao período de transição entre a infância e a vida adulta, em que o conhecimento parece travar uma constante batalha com a necessidade de afirmação social. É justamente em torno da ignorância sobre uma DST que a trama principal se desenvolve nessa parcela inaugural. Diversos alunos são diagnosticados com clamídia e o ambiente secundarista é tomado por uma espécie de histeria coletiva, com, por exemplo, usuários de máscaras acreditando no artefato enquanto bloqueador de algo que, sequer, é transmitido pelo ar. O jovem, que pretendia deixar definitivamente as consultas regulares, precisa, então, um tanto aliviado, voltar paulatinamente à atividade para prestar valiosos serviços àquela comunidade.

Sex Education mantém o frescor da abordagem dessas engrenagens que concernem ao sexo, evitando qualquer solenidade, mas tampouco incorrendo em banalizações. Guiada por um olhar que mescla seriedade e leveza, há uma vontade de efetivamente colocar determinadas pautas em jogo. De maneira consistente, destituída de amarras conservadoras, o sexo é transformado num catalisador para escrutinar essa juventude inglesa que poderia, com pequenas adaptações, representar grupos etários equivalentes noutras partes do mundo. Esse primeiro episódio trabalha com a ausência de Maeve (Emma Mackey), mostra que sem ela o “terapeuta” não conseguirá seguir adiante. Eles são uma dupla tão bem entrosada quanto a que Otis forma com o seu melhor amigo, Eric (Ncuti Gatwa), um coadjuvante essencial que, ao que tudo indica, deve continuar esbanjando carisma. Já a crush do protagonista não se restringe ao papel de mero interesse amoroso porque é expandida.

Um dos grandes méritos de Sex Education, aliás, é que os coadjuvantes imediatos, e alguns não tão achegados assim, têm preservadas e potencializadas as suas subjetividades, o que permite sinalizações frequentes às questões essenciais à construção macro de uma narrativa fundamentada nessa investigação das dores e amores de ser adolescente. Chama a atenção, de cara, a continuidade da observação de Jackson (Kedar Williams-Stirling), o esportista pressionado por uma de suas mães a ser um atleta de alto rendimento. A atitude desesperada do garoto, que culmina com sua internação hospitalar, aponta diretamente às consequências das expectativas exacerbadas, algo que, de formas distintas, pode ser aplicado ao desempenho sexual, social e pessoal dos personagens. Gillian Anderson continua impagável e certa manifestação deve permitir uma nova dinâmica de conflito com o filho. Afinal de contas, quem gostaria de ter sua mãe falando de sexo na escola?

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.