Crítica


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Sinopse

A segunda vítima foi encontrada, porém Camille segue com pouco material revelador para a reportagem que tem que fazer sobre os assassinatos. Junto com a mãe, que mal suporta sua presença, vai ao velório da menina. Lá reencontra boa parte dos moradores da cidade, e no contato com velhas amigas e antigos conhecidos, aos poucos vai descobrindo um pouco mais sobre o que aquele lugar se tornou durante sua ausência.

Crítica

Camille Preaker tem um segredo. Ela se corta. Quando está nervosa, deprimida, com raiva, desiludida – não importa. Sempre que algo forte lhe abate, a maneira de fugir que encontrou, há muito tempo, é recorrer a uma agulha, canivete, faca e furar a pele. Tanto que, para sair na rua, usa sempre mangas compridas e calças, deixando o mínimo de pele à vista, impedindo de revelar as cicatrizes que se escondem sob suas roupas, desenhando palavras que, por tanto suprimi-las, encontraram essa forma para se manifestar. Esta é a leitura mais óbvia para o título Sharp Objects Objetos Cortantes, ou afiados, em tradução direta – mas como visto em Dirt (“sujeira”), segundo episódio desta primeira temporada, há muito mais dentro dela do que uma simples compulsão em se infligir dor. É, acima de tudo, um grito por socorro.

Ajuda é o que buscam desesperadamente mães e pais de Wind Gap, a pequena cidadezinha perdida no meio do nada onde, por infeliz coincidência, não apenas nasceu Camille, como também moravam duas garotas sequestradas – e, posteriormente, encontradas mortas. A jornalista voltou ao lar em busca de uma matéria que pudesse lhe tirar do marasmo – pessoal, profissional, existencial. Mas enfrentar seus fantasmas pode ser mais difícil do que lidar com os dos outros. E ela terá essa missão dupla pela frente. Principalmente quando se vê sob constante vigilância de ninguém menos do que a mãe, Adora, aquela que nunca lhe quis, e justamente por isso joga nela a culpa pelas dores do mundo. Passado o impacto da estreia, percebemos se aprofundar as marcas dessas feridas que ainda ressoam entre as duas, da mesma forma como, aos poucos, nossa protagonista vai se aproximando das demais pessoas que reencontra.

Em meio ao velório da mais recente vítima – momento de tristeza e pesar, mas que, no entanto, é visto pelos locais como ‘o acontecimento da temporada’ – ela se vê novamente sob as asas de Jackie, a amiga da mãe que é o oposto dessa – e que, entre chistes e gracejos, lhe revela mais do que poderia imaginar. Mas o ambiente é claustrofóbico, e ao sair se vê entre um possível flerte com o detetive forasteiro, chamado às pressas para investigar os crimes, ou tendo que se deparar com a faceta cada vez menos secreta da meia-irmã caçula, Amma. Como tão bem nos ensinou Twin Peaks (1990-2017) tantos anos atrás, ninguém nestes pequenos vilarejos possui apenas uma cara ao sol. E a garota parece ter dominado com maestria essa lição, revelando-se tão dissimulada quanto perspicaz, dependendo apenas da ocasião.

Amy Adams, como a protagonista, deixa claro o mergulho ao qual se dedicou para compor essa personagem, marcada pela vida tanto em sua personalidade como no físico que carrega. É quase como o lado B da Lois Lane que a mesma atriz defendeu nos recentes filmes do Superman (O Homem de Aço, 2013). Patricia Clarkson, como a mãe-megera, ainda tem o que mostrar, e os demais não passam de meros coadjuvantes. Sharp Objects, como se vê, segue afiando as próprias garras. Baseado em um livro de meras 250 páginas, é provável que essa adaptação sofra pelo formato escolhido de 8 capítulos de uma hora cada – talvez, com a metade desse tempo, o resultado fosse mais eficaz. Dirt apostou na sujeira da cidade e destes personagens. Mas pouco de novo entregou. Permanece uma expectativa esmaecida. Até quando? Talvez seja esse o maior mistério (ao menos até agora).

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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