Crítica


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Sinopse

Depois que uma briga num bordel acaba muito mal, três prostitutas fogem do seu cafetão e dos capangas deste. Além da perseguição, elas terão de lidar com fantasmas do passado.

Crítica

Há alguns anos, a expressão “novela mexicana” era não apenas depreciativa, como também servia para incluir qualquer produção audiovisual falada em espanhol. Pois bem, isso era no passado, e a atual mudança que hoje está em curso se dá, em grande parte, não apenas pela incrível diversidade que o mundo hispano tem a oferecer – a ponta deste iceberg são os Oscars conquistados pelo México (Roma, 2018), Chile (Uma Mulher Fantástica, 2017), Argentina (O Segredo dos seus Olhos, 2009) e Espanha (Mar Adentro, 2004), apenas para ficarmos nesse século – mas também, e cada vez mais, pela disseminação de filmes e séries dessas origens pelas plataformas de streaming. Nesse sentido, a Netflix tem papel fundamental por ter apostado em produções de diferentes nacionalidades desde cedo. E assim como qualquer estúdio, quando se tem um sucesso em mãos, a coisa lógica a ser feita a seguir é tentar reproduzi-lo quantas vezes for possível. Essa é a principal justificativa por trás de Sky Rojo, série que tenta pegar carona no impacto provocado por La Casa de Papel (2017-2021), mas, ao menos por essa primeira temporada, alcança resultados que se situam mais no campo das intenções do que dos resultados.

Dessa vez, as protagonistas também são fora-da-lei, mas ao invés de estarem fugindo dela, é em seu encontro que deveriam, ao menos, se dirigir. Coral (Verónica Sánchez), Wendy (Lali Espósito, cantora que já gravou até com Pabllo Vittar) e Gina (Yany Prado) são três das mais disputadas prostitutas do puteiro comandado por Romeo (Asier Etxeandia, de Dor e Gloria, 2019). Estão no interior da Espanha, mas cada uma veio de um lugar diferente: enquanto Wendy saiu de um subúrbio de Buenos Aires, Gina foi levada a acreditar que iria em busca de uma vida melhor, algo que lhe parecia impossível na sua Cuba natal. Aos duas são vítimas do tráfico de mulheres, e ali estão para trabalhar em um sistema quase escravo, que as obriga a transar com dezenas de homens todas as noites em nome de uma dívida que só aumenta. Por outro lado, o mistério se mantém quanto à Coral, aquela que ali está por livre e espontânea vontade, como se no último recurso após algo muito pior que teria lhe acontecido, e do qual há apenas vislumbres, mas poucas certezas.

Logo no primeiro episódio de Sky Rojo, Gina surge com o dinheiro guardado com muito esforço para pagar o que lhe foi dito ser seu débito, acreditando que, com isso, estaria livre para seguir com sua vida longe dali. Acontece que, como qualquer um que já tenha visto essa recriação dramática bem sabe, nenhuma profissional do sexo consegue se livrar do seu cafetão tão fácil assim. O que se sucede é uma comédia de erros: ela e Romeo começam a discutir, ela o ataca e ele revida, espetando uma caneta em seu peito. Tudo se passa muito rápido, e o fato é que tanto Coral – que havia buscado aquele destino – quanto Wendy – que percebe na confusão uma oportunidade para si – acabam se envolvendo na luta, mais por instinto – querem defender a amiga – do que por revanche – nenhuma delas seria calculista o suficiente para tramar um ataque organizado contra o vilão que as controlava. Após um golpe bem dado, pensam tê-lo matado. Não há mais nada a fazer, portanto, além de partir em fuga.

Assim, o série criada por Álex Pina (Vis a Vis, 2015-2019) e Esther Martínez Lobato (White Lines, 2020) – os dois são responsáveis, também, pela citada La Casa de Papel – se transforma em um história de estrada, no qual cada minuto parece fazer diferença. Há um senso de urgência em tudo que é feito, desde a visita ao veterinário, o único em quem confiam para pedir ajuda quando uma delas fica gravemente ferida, como na recuperação – inverossímil, porém tão farsesca quanto o resto da história – de Romeo, que despacha seus dois principais capangas no encalço das fugitivas. Ele não quer apenas tê-las de volta. O que busca, agora, é vingança. Por isso, os irmãos Moisés (Miguel Ángel Silvestre, de Sense 8, 2015-2018) e Christian (Enric Auquer, de Dieta Mediterrânea, 2009) partem atrás do trio com apenas uma diretriz: é preciso que voltem vivas. O que irão sofrer entre um ponto e outro, no entanto, fica por conta dos dois. E por mais que obedeçam a uma dicotomia previsível – um é o louco e irresponsável, enquanto que o outro tem os pés no chão e só faz ameaças quando disposto a cumpri-las – o senso de perigo que emitem é constante.

Por mais que tente oferecer um dinamismo contagiante, que vai desde a trilha sonora descolada, passando por uma montagem frenética, repleta de cortes bruscos e mudanças de eixo, ou uma fotografia repleta de cores estouradas, fortes e carregadas, Sky Rojo resvala em uma ingenuidade gritante, pois enumera tantos e seguidos absurdos que, do thriller que poderia ter sido alcançado, muitas vezes termina por resvalar na comédia escrachada. Fica evidente o esforço dos realizadores, que miram em Tarantino, mas na maioria das vezes acabam com um contexto domesticado, no qual tudo parece ser possível, pois é certo que, no último minuto, mais um coelho deverá ser tirado do fundo da cartola não apenas para garantir a segurança dos personagens, independente em qual lado da questão estejam, mas também para oferecer mais uma reviravolta improvisada que tem como único objetivo renovar o interesse do espectador até o próximo capítulo.

Com apenas oito episódios (e mais oito já confirmados para uma segunda temporada que estreia em breve), Sky Rojo não é por inteira desprovida de bons momentos – a noite na loja invadida e a luta com o segurança na manhã seguinte, assim como a sequência do patrão com seus dois marginais, os três nus em uma banheira, garantem tanto uma leveza esperada como também o bom humor necessário para seguir frente às passagens mais selvagens. Mas os exageros terminam por se sobressair, fazendo destes respiros exceções que não se repetem com a frequência que seria desejada. Pouco se oferece além de esclarecimentos básicos a respeito das protagonistas – os flashbacks que deveriam investigar seus antecedentes são tão pueris quanto constrangedores – e o duelo, muito anunciado, se mostra tão anticlimático que a maior curiosidade que provoca é imaginar que outros excessos serão providenciados frente a tudo que a trama ainda tem por responder. Nem mesmo o que parecia básico – sensualidade e violência – é alcançado como se poderia esperar. Atira-se para muitos lados, mas pouco se acerta no alvo. Quem sabe nos capítulos seguintes? É pagar para ver.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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