Crítica


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Sinopse

Leroy Logan teve de conviver desde cedo com o racismo da polícia britânica. Mas, imbuído do sentimento de que pode fazer algo para mudar o sistema, ele decide se alistar, isso enquanto seu pai processa o Estado por agressão.

Crítica

O idealismo é assim chamado porque responde a uma realidade ainda não alcançada, mas que o deveria ser. Leroy (John Boyega) mora num subúrbio londrino e está cansado do trabalho no laboratório, logo propenso a entrar para a polícia. O fato de ser negro impõe uma restrição quanto ao cumprimento desse desejo, sobretudo por conta do racismo estrutural da instituição à qual pretende servir para melhorar a vida das pessoas. Ele é um tipo de personagem que obviamente precisa aprender após erros de julgamento, talvez deixando de lado certa ingenuidade. Porém, mesmo atravessado por vários indícios de que sua visão de mundo está infelizmente distante de ser concretizada totalmente, sustenta a vontade de continuar tentando aperfeiçoar as convivências. Em Red, White and Blue, terceira parte da antologia Small Axe, o cineasta britânico Steve McQueen observa de perto instituições que deveriam zelar por todos, mas que no fim das contas operam no sentido de perpetuar os abismos. Para isso, apresenta duas perspectivas distintas, gradativamente aproximadas e combinadas.

A cena inaugural mostra Leroy criança sendo enquadrado por dois policiais brancos. A abordagem aleatória, tendo em vista que o “suspeito” é um menino com cerca de 10 anos de idade, trajando o uniforme da escola diante da qual aguarda, não é suficiente para o protagonista alimentar repulsa contra a força policial. Seu pai, Kenneth (Steve Toussaint), responde de modo completamente diferente, talvez por ser frequentemente vítima da discriminação que leva os pretensamente paladinos da lei a enxergarem negros como supostos bandidos apenas por conta da cor de suas peles. Portanto, de um lado, a experiência ditando uma tendência de compreender essa lógica simplesmente como “nós” contra “eles”. De outro, a juventude tentando encontrar uma saída, mesmo que a duras penas, porém levada a perceber que as mudanças basilares são demoradas e que demandam dos seus atores uma resiliência tantas vezes desproporcional. No entanto, a jornada maior é a do filho, desse jovem que certamente assimilará uma dura lição, ainda que esta não invalide a sua vontade.

Red, White and Blue sustenta o discurso muito claro quanto a uma doença sistêmica, impregnada nas células dos espaços proeminentes da sociedade inglesa. Em todas as etapas de seleção, desde a primeira, Steve McQueen mostra o protagonista diante de homens brancos. Como esperar que a polícia abrace verdadeiramente a diversidade, se nas posições que determinam destinos há apenas um tipo de pessoa? Essa pergunta fica implícita em todas as interações de Leroy com superiores, avaliadores e instrutores. Adiante, quando ele finalmente vai às ruas – onde supostamente terá esmigalhado o seu idealismo fundamental –, passa a ser vítima do racismo dos colegas. O realizador expande o entendimento dessa inclinação supremacista arraigada na polícia britânica ao situar o colega paquistanês impedido de comunicar-se com seus conterrâneos na língua mãe dos mesmos. O nacionalismo está entranhado na arrogância do superior imediato que exige, aos gritos, uma comunicação acontecendo em inglês. Detalhes como esse sustentam uma perspectiva de denúncia.

Steve McQueen conduz essa história valendo-se de questionamentos e complexidades, ainda que incorra em simplificações e lugares-comuns, tais como a esposa servindo somente de incentivadora/escora emocional. Esperando ser julgado depois de brutalizado por guardas brancos, Kenneth responde mal aos esforços do filho para se tornar policial. O que distingue Leroy nessa proposição de, inclusive, passar por cima das convicções do pai é o idealismo, a intenção de construir um cotidiano menos caracterizado por homens e mulheres negros tratados previamente como marginais. O filho continuará sofrendo, pois é, antes de qualquer coisa, um corpo afro-britânico transformado historicamente em alvo. Se trata de uma dinâmica dramaticamente forte essa a dele, pois, até trajado como um zelador da lei, ainda sofre na carne as discriminações de várias naturezas. Não é apenas a hostilidade dos membros de departamento que evidencia isso, mas as amarras que evitam seu progresso e, por conseguinte, o acesso às ferramentas para alterar os padrões de modo menos vagaroso. Quanto à interação pai/filho, Red, White and Blue postula que ambos estão certos e talvez as respostas residam basicamente na capacidade de aprender, um com a experiência e o outro com a determinação.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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