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Sinopse

Em novembro de 1983, na pequena cidade de Hawkins, Indiana, um garoto de 12 anos, Will Byers desaparece misteriosamente. A mãe de Will, Joyce, torna-se frenética e tenta encontrar Will, enquanto o chefe de polícia Jim Hopper começa a investigar, assim como os amigos de Will: Mike, Dustin e Lucas. Uma menina psicocinética que sabe o paradeiro de Will é encontrada pelos garotos. À medida que eles descobrem a verdade, uma sinistra agência do governo tenta encobri-los, enquanto uma força mais insidiosa espreita logo abaixo da superfície.

Crítica

Se fôssemos depender dos padrões usais da produção de TV dos Estados Unidos, talvez nunca assistiríamos à Stranger Things. Os irmãos Matt e Ross Duffer ofereceram para inúmeros estúdios e canais o seu projeto nostálgico, protagonizado por crianças, cheio de mistério e aventura – algo nos moldes “Steven Spielberg dirigindo uma adaptação de Stephen King na década de 1980”. Receberam diversos não. Ninguém enxergava potencial naquela história, que não era voltada para um público infantil, mas era encabeçado por um elenco mirim. Por sorte, a Netflix, gigante do streaming e uma produtora cada vez mais competente, teve visão além do alcance. E, assim, chegou às nossas smart TVs, tablets e celulares a história de Eleven, Mike e companhia. Mas, antes de serem cooptados pela Netflix, os Duffer tiveram de sofrer um tanto para colocar sua ideia em prática.

Depois de dirigir alguns curtas-metragens, os irmãos gêmeos escreveram um roteiro que bebia na fonte dos mistérios de M. Night Shyamalan. Intitulado Hidden, o suspense foi adquirido pela Warner Bros que, tão logo fechou o contrato com os cineastas, meio que esqueceu o projeto. O lançamento foi minúsculo, o que deixou Ross e Matt decepcionados com o que deveria ser sua grande estreia em Hollywood. Em um daqueles momentos verdadeiramente mágicos, o roteiro chegou às mãos do próprio Shyamalan, que gostou do que leu, os convidando para roteirizar alguns episódios de sua série Wayward Pines (2015-). Com a confiança renovada, os Duffer começaram a escrever o que viria a ser Stranger Things – e como dito logo acima, receberam todos os não que poderiam. Foi quando o produtor e diretor Shawn Levy (de Uma Noite no Museu, 2006) e sua companhia 21 Laps viu o potencial daquela trama e a apresentou para a Netflix. O resto é história, com o perdão do clichê.

Para muitos, Stranger Things é apenas o resultado de um algoritmo muito bem calibrado da Netflix, que apontou que um revival das aventuras infantojuvenis da década de 1980 encontraria público em sua plataforma. Um programa que cativasse o espectador pela nostalgia de filmes como Os Goonies (1985), E.T.: O Extraterrestre (1982), Conta Comigo (1986), entre tantos outros. O sucesso acachapante da série criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer corrobora um tanto essa premissa. Embora não tenhamos números exatos de audiência, visto que a Netflix não os libera, é possível apontar com grande nível de certeza de que Stranger Things foi um dos maiores sucessos da cultura pop do ano passado, apenas pelo falatório que gerou nas redes sociais e na mídia em geral. Se foi um algoritmo ou não, isso pouco importa no final das contas, dada a qualidade do produto acabado.


A primeira temporada foi dividida em oito episódios (ou capítulos, como apresentado na tela) e, como costumeiro na Netflix, foram liberados de uma vez só, no dia 15 de julho de 2016. A febre foi imediata, com usuários da plataforma praticando o famoso binge watching, conferindo a série toda em uma tacada. É compreensível. Os irmãos Duffer conceberam uma série que prima pelo mistério e tem ritmo muito bem calculado, prevenindo que seus espectadores cansem facilmente da trama apresentada. Como a própria Netflix facilita a vida dos fãs iniciando o episódio posterior automaticamente, a tarefa de conferir os oito episódios do programa não era nada complicada.

Na trama, somos apresentados a um suculento mistério: que fim levou o pequeno Will Byers (Noah Schnapp)? Nós, da plateia, temos uma ideia melhor do ocorrido do que seus amigos e familiares, mas não uma visão completa do sucedido. Sabemos que é uma ameaça digna de nota, devido ao trilho de sangue que aquela criatura deixou para trás até encontrar o jovem menino. Quem está desesperada em encontrar Will é sua mãe, a trabalhadora Joyce (Winona Ryder). Tendo deixado seu outro filho, Jonathan (Charlie Heaton), responsável por Will enquanto ela trabalhava, Joyce se vê sem seu caçula e com ideia alguma de onde começar a procurar. No dia anterior, ele estava junto de seus amigos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin), jogando uma longa aventura de RPG. Nenhum dos três, no entanto, sabe o que aconteceu com Will. O xerife da cidade, Jim Hopper (David Harbour), começa a investigar o caso e determina um toque de recolher até que o menino apareça. Isso acaba atrapalhando os planos da irmã de Mike, Nancy (Natalia Dyer), que pretendia se encontrar com o namorado Steve (Joe Keery) à noite. Enquanto isso, Mike, Dustin e Lucas tentam encontrar seu amigo fazendo uma busca por conta própria. Seus caminhos se cruzam com uma menina de cabelo raspado, debaixo de chuva torrencial, chamada Eleven (Millie Bobby Brown). Ela fugiu de um lugar de alta segurança e está sendo caçada pelo pessoal capitaneado pelo misterioso doutor Martin Brenner (Matthew Modine).

Essa é a ponta do iceberg, apenas. Entrar em maiores detalhes obviamente estragaria a surpresa do espectador. Mas, o que podemos dizer sem medo é que Eleven é uma menina muito especial e que transformará completamente a vida daqueles amigos de Hawkins. Millie Bobby Brown é um destaque do elenco, tendo um arco interessante durante a temporada e convencendo como uma menina de poucas palavras, mas muito sentimento. O elenco mirim como um todo é fantástico. Finn Wolfhard é o líder – Mike, um garoto atencioso, corajoso e de imaginação fértil. Gaten Matarazzo vive Dustin, o alívio cômico, um menino perseguido no colégio por ter uma anomalia que o deixa sem dentes, mas nem por isso não o vemos sorrindo. Caleb McLaughlin é Lucas – ele parece ser o mais ajuizado do grupo, tentando ser a voz da consciência para todos. Juntando-se isso ao elenco adulto, com Winona Ryder encontrando seu lugar em meio à loucura da personagem e David Harbour nos cativando como o xerife com passado traumático, temos um elenco bastante afiado.

As referências dos irmãos Duffer são bastante explícitas. Fãs confessos de Stephen King, era vontade dos cineastas adaptar a obra It para o cinema, algo que não conseguiram por sua carreira pouco expressiva. Curiosamente, um dos protagonistas da série acabou vivendo um dos meninos do Clube dos Perdedores da refilmagem dirigida por Andy Muschietti, o talentoso Finn Wolfhard. Além das óbvias citações à King, como Conta Comigo e o próprio It, os irmãos vão mais longe, com referências óbvias a O Enigma de Outro Mundo (1982), Poltergeist: O Fenômeno (1982), E.T., De Volta para o Futuro (1985), Tubarão (1975), entre muitos outros. É uma diversão à parte ficar buscando as cenas que tem referência direta a um filme ou história do passado.

The Body (S01E04) e The Bathtub (S01E07) são os episódios mais impactantes desta primeira temporada, com pontos de virada impressionantes e, no caso deste, a reunião do elenco todo em um mesmo núcleo. Como temos diversos personagens, de idades e características diferentes, os irmãos Duffer separam a história em núcleos bem determinados. No penúltimo episódio, no entanto, todas as linhas de roteiro se juntam e nos dão esse encontro que confere o gatilho essencial para que o desfecho surja no derradeiro capítulo. E é nesse desfecho que damos de cara com a grande ameaça que pairava durante todo o tempo na série – o temível Demogorgon.

Para usar uma expressão de décadas passadas, Stranger Things foi a coqueluche do ano de 2016. O elenco estampou todas as capas de revista, foram a todos os programas de entretenimento possíveis – era difícil olhar para algum lugar e não ver os simpáticos rostos de Millie Bobby Brown, Gaten Matarazzo e os demais. Os prêmios começaram a surgir tão logo o fenômeno se consolidou. No Emmy, foram cinco prêmios e mais 13 indicações (incluindo Melhor Série), no Globo de Ouro, foram duas indicações (Melhor Série e Atriz, para Winona Ryder). No SAG Awards, prêmio do Sindicato de Atores, sua maior consagração: receberam a estatueta de Melhor Elenco de Drama. Com todo o sucesso, claro que uma segunda temporada foi encomendada. Lançada em 2017, conseguiu ser superior a original, com mais personagens, mais mistérios e muito mais nostalgia.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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