Crítica


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Sinopse

A pequena Hawkins sofreu muito com a batalha de Starcourt. Os amigos se separam pela primeira vez, justamente quando precisam lidar com as consequências do que aconteceu. Mas, surge uma nova e ainda mais terrível ameaça.

Crítica

Para se assistir aos oito episódios da primeira temporada de Stranger Things (2016), o espectador levava em torno de 6h30min. Já neste quarto ano, dividido em volumes 1 e 2, apenas a leva inicial de sete capítulos irá demandar da audiência mais de 9 horas seguidas. Esse aumento exagerado na duração, anunciado pela plataforma de streaming que exibe o programa como algo positivo, se mostra o contrário na telinha, pois apesar de exigir mais da plateia, entrega menos do que o esperado. A impressão é de que este era um seriado concebido para apenas três ciclos, sensação reforçada pelo fato da anterior, justamente a terceira, ter encerrado de modo tão definitivo, com a (suposta) morte de um dos protagonistas (um importante evento dramático), um grande combate entre as forças do bem e do mal e a partida de alguns dos personagens principais rumo a uma vida melhor. Mas se a capacidade de adaptação de Hollywood é invejável e parece nunca ter fim, também é certo que, quando algo dá certo, o mesmo filão será exaurido até o limite do esgotamento criativo. Pois eis o que dessa vez se verifica: um recomeço desprovido de ideias, tendo que se contentar em apenas reciclar velhas fórmulas, porém sem o mesmo tempero de antes.

A jornada de Onze (Millie Bobby Brown) e amigos contra as forças do Mundo Invertido havia chegado ao clímax na batalha do shopping center, no final da terceira temporada. O desfecho fora à altura das expectativas levantadas ao longo de três anos, com cada um dos principais personagens recebendo uma conclusão digna da caminhada até aquele momento. Porém, nunca é o bastante quando há milhões em jogo. Stranger Things é a série de maior sucesso de todo o catálogo da Netflix (ou era, ao menos até a estreia de Round 6, 2021). É uma aposta alta demais, com muito envolvido, que não poderia ser descartada facilmente. Não só havia o anseio por recuperar um posto tão disputado, como também garantir as receitas de uma empresa que já foi a líder no seu segmento. Para se ter uma ideia, em 2019 (quando a T03 foi lançada) a concorrência era mínima. De lá para cá, mais de uma dezena de ofertas similares surgiu no horizonte dos espectadores caseiros, impactados principalmente pela pandemia e pelo conforto do lazer doméstico. Mas qual a estratégia dos irmãos Duffer para que a maior criação da dupla volte ao topo?

Ao invés de seguir atrás de algo original e irreverente, ao mesmo tempo em que brincava com a nostalgia de um grupo cada vez mais saudoso, Ross e Mark Duffer decidiram, sim, voltar às origens, mas entregando uma versão mastigada e remodelada meio que às pressas do mesmo que fora visto antes. Ou seja, quem anseia por mais do mesmo? Fãs, é claro. Mas poucos além desse ciclo restrito. Assim, eis do que são feitos os sete primeiros capítulos do quarto ano: fan service. É tudo tão pontuado nesse sentido que se gasta um espaço precioso da trama apenas se ocupando em desmembrar aquilo que tão bem havia sido colocado nos seus devidos lugares antes. Os que se mudaram se reencontram com aqueles deixados para trás, a que havia fugido do cárcere é para lá que se vê obrigada a retornar, os que ‘morreram’ se veem vivos e em busca de salvação, e até mesmo os que deveriam ser não mais do que participações especiais ganham lugar fixo na maratona. Enquanto isso, novos personagens são relegados a uma posição coadjuvante e descartável, possibilidades inéditas são desperdiçadas e caminhos ainda não trilhados se veem sistematicamente ignorados em detrimento de escolhas mais seguras – e óbvias.

Para se der ideia da falta de foco, lá pela metade desse Volume 1 se é possível contabilizar nada menos do que oito linhas narrativas distintas. Impossível manter atenção por todos esses acontecimentos, por mais que fiquem girando em torno de si mesmos, sem o que acrescentar ao andar da história. A primeira a partir é Onze, que decide voltar ao laboratório de testes onde foi criada quando lhe dizem ser possível recuperar seus poderes. Mike (Finn Wolfhard), Will (Noah Schnapp) e Jonathan (Charlie Heaton) estão sendo vigiados por agentes, o que não impede de serem atacados por um grupo paramilitar e, por isso, terem que fugir por conta própria. Joyce (Winona Ryder) e Murray (Brett Gelman) se mostram como dois dos Três Patetas numa viagem até o Alasca (!) e depois para Rússia (!!) para tentar, sozinhos, salvar Hop (David Harbour), que por sua vez se vê tendo que confiar em um oficial corrupto da KGB (Tom Wlaschiha) em suas tentativas de escapar da prisão para onde fora levado. Dustin (Gaten Matarazzo), Lucas (Caleb McLaughlin), Erica (Priah Ferguson) e Max (Sadie Sink) precisam lidar com pais preocupados enquanto se veem tendo que salvar Nancy (Natalia Dyer), Steve (Joe Keery), Robin (Maya Hawke) e o recém chegado Eddie (Joseph Quinn), presos no Mundo Invertido (já não se havia superado essa fase?). Outro novato é Jason (Mason Dye), o atleta da escola que lidera uma espécie de milícia de esportistas – um tema que poderia render mais, mas é relegado a uma condição de ameaça vazia. E, por trás disso, um novo vilão – Vecna – que está matando estudantes aparentemente aleatórios, ao mesmo tempo em que Onze se vê investigando a origem de tudo: se ela foi a décima primeira do mesmo experimento, quem teria sido o Um?

Dois dos estreantes no elenco são nomes que, por si só, antecipam seus destinos. Tom Wlaschiha viveu Jaqen H’ghar, o guerreiro sem face em duas dezenas de episódios de Game of Thrones (2012-2016). Jamie Campbell Bower, por sua vez, aparece primeiro como um inocente enfermeiro do laboratório onde Onze foi criada. Porém, antes disso, o ator foi protagonista do blockbuster Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos (2013) e passou por sucessos como as sagas Crepúsculo e Harry Potter. Ou seja, ambos são importantes demais para serem irrelevantes. É sabido, portanto, apenas por suas presenças, que o primeiro não será um guarda qualquer, assim como o outro está longe de ser apenas um auxiliar de pesquisa. O crescimento de ambos dentro dos eventos a serem observados é antecipado e até mesmo evidente. Da mesma forma, outros desdobramentos, como Onze recuperar sua força, Nancy e Steve reacender o interesse de um pelo outro, a certeza de que Hop será salvo e o fato de que a sexualidade de Will seguirá sendo um não-assunto, por mais notória que esteja se confirmando sua orientação. Há portas permitindo escolhas interessantes, mas uma após a outra vão sendo ignoradas, ao passo que as decisões tomadas levam somente ao mais previsível.

Com apenas mais dois episódios previstos – sim, o Volume 2 deverá investir no inverso perseguido até agora e promete resolver essas pendências por eles mesmos abertas com maior rapidez – o quarto ano de Stranger Things se mostra acomodado em uma zona de conforto, estável enquanto ícone cultural, ao mesmo tempo em que deixa clara sua falta de coragem em ir além do esperado, um sentimento que tão bem adotou no começo, mas que agora abandonou de vez. O elenco, disperso, perde muito de sua força – uma Millie Bobby Brown sozinha não consegue fazer muito, e os efeitos constrangedores para rejuvenescê-la durante passeios pela memória tornam o conjunto ainda mais confuso e frustrante. Mas o pior mesmo é a falta de direção, que deixa claro estar apenas criando cenários que serão descartados logo adiante, apenas como distração, sem somar no sentido de fazer diferença. Um triste fim se anuncia para uma das tramas mais instigantes dos últimos tempos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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