Crítica


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Sinopse

O AFC Richmond finalmente vai competir na tão sonhada Premier League. Ted sente ainda mais a ausência do filho e entra em crise quando a sua esposa anuncia um novo relacionamento. A união em Nelson Road é a grande chave para não apenas Ted, mas todos os jogadores, membros da comissão técnica e diretoria, enfrentarem seus desafios.  

Crítica

Uma das séries mais cativantes dos últimos anos, Ted Lasso provavelmente chegou ao fim – ainda não há a confirmação oficial sobre o encerramento, mas tudo aponta para isso. E um dos grandes méritos da produção Apple TV+ é a elaboração de um conto de fadas humanista dentro do mundo do futebol cada vez mais condicionado por cifras astronômicas. Ted (Jason Sudeikis) é um positivo incorrigível que defende, antes de qualquer coisa, a garantia do bem estar de seus atletas e colegas de trabalho. E seria muito fácil esse idealismo que o faz parecer Dom Quixote lutando contra gigantes (ou seriam moinhos de vento?) ser encarado como algo tolo, uma bobagem adequada a mensagens edificantes e lições de moral que não levam em consideração o aspecto menos positivo/bonito da vida. No entanto, não é o que acontece. Ao longo das três temporadas do programa, vários assuntos vêm à tona, inclusive o preço que um homem paga por reprimir seu descontentamento diante de um entorno que o trata mal às vezes, assim como a todos os mortais. E isso está simbolizado pela trajetória do AFC Richmond, a gata borralheira da Premier League, atualmente o campeonato mais competitivo e milionário desse jogo. Depois de subir à sonhada primeira divisão inglesa, o que o pequenino clube de Londres poderia fazer, senão se contentar com a campanha que garantisse a sua permanência na elite? Mas, estamos falando do time liderado por um sujeito que prega uma verdadeira revolução no esporte bretão.

No entanto, nem tudo são flores nessa temporada de Ted Lasso, certamente a mais dispersa e menos empolgante. Para começo de conversa, os episódios se tornaram bem mais longos. Se na primeira temporada eles variavam em torno de 30 minutos, na segunda o tempo aumentou e continuou crescendo nessa jornada final – ao ponto de termos episódios com mais de 70 minutos. E isso nem sempre foi justificado com tramas que realmente precisassem de tempo para serem desenvolvidas. Ted está diante de um dilema que pode significar o seu futuro na Inglaterra, uma vez que a saudade do filho crescendo longe de sua companhia tende a fazê-lo optar num momento próximo entre a família do futebol e a proximidade do garoto. Aliás, família é um dos principais temas abordados dessa vez. Há episódios em que Jamie Tartt (Phil Dunster) expõe novamente as dificuldades com o pai; um no qual Sam Obisanya (Toheeb Jimoh) têm um encontro muito bonito com o seu genitor; outro no qual Rebecca (Hannah Waddingham) dialoga com a mãe, assim expondo um pouco mais de si mesma; e ainda outro com Nate (Nick Mohammed,) finalmente expressando seu íntimo ao pai de quem sempre teve um pouco de temor. E, claro, todas essas tramas paralelas se referem simbolicamente à paternidade de Ted, àquilo que ele precisa priorizar para ficar em paz consigo mesmo e evitar tanta angústia pessoal.

A sensação predominante nessa emotiva terceira temporada de Ted Lasso é a de que não eram necessários episódios tão longos para dar conta de encerrar o adorável conto de fadas repleto de personagens que nos afetam genuinamente. A duração maior é “explicada” pela inclusão de excessivas tramas paralelas que visam não deixar ninguém “descoberto”, ou seja, é motivada pela vontade de dar atenção a todos. A intenção é louvável, mas a execução nem tanto. Um exemplo disso é Keeley (Juno Temple), coadjuvante que na segunda temporada anuncia a saída do clube para montar a própria empresa de relações públicas. Uma vez que a ação também precisa acontecer em outro cenário, ela soa como algo demasiadamente à parte, sem tanta conexão com a escalada do AFC Richmond rumo ao improvável êxito na Premier League. Tanto que o romance com a financiadora serve apenas à lição de moral depois do vazamento de imagens íntimas de celebridades (entre elas, Keeley). Inclusive, a mudança de comportamento da namorada é repentina demais, faltando elaboração para soar verossímil. Assim como essa situação, outras ficam parecendo meros preparativos para discursos edificantes e aprendizados tidos como “morais da história”. Se nas primeira duas temporadas o conteúdo potencialmente brega era transformado em algo muito bonito, na terceira essa alquimia nem sempre acontece.

A temporada final (?) de Ted Lasso tenta abraçar o mundo, ainda que não tenha capacidade para desenvolver os seus inúmeros elementos. Há pontuações sobre a ganância sendo vencida pela paixão – no episódio em que Rebecca é convidada a participar da criação de uma liga elitista –; um pouquinho sobre xenofobia – quando Sam é atacado por defender publicamente as suas posições –; algo sobre a homossexualidade no esporte – com o drama em torno de um jogador gay sendo pouco relevante (senão como outro tijolinho na construção de um grupo ideal). Além disso, o dado esportivo propriamente dito ganha espaço generoso, especialmente nos primeiros episódios, os marcados pela presença de Zava (Maximilian Osinski), astro que eleva o AFC Richmond e que claramente é inspirado no futebolista sueco Zlatan Ibrahimovic. A presença desse superstar serve estritamente para mostrar que a queda posterior à sua saída não significava mais do que a falta de confiança dos colegas na vitória. Portanto, uma vez que eles estivessem focados e em paz consigo mesmos, a vitória retornaria. Mas, como a saída de Zava é repentina e a série tem trocentas outras coisas com as quais lidar, nem essa curva dramática é tão bem desenvolvida. Desse modo, o carisma dos personagens e sua fragilidade humana, demasiadamente humana, perdem um terreno considerável diante da necessidade de desenvolver subtramas que nem sempre convergem bem ou mesmo caminham de mãos dadas.

Feitas as ressalvas à fragilidade da terceira temporada, chegamos ao episódio final, no qual há uma espécie de redenção – tanto que a nota desta avaliação subiu um ponto por causa dele. Evitando soltar spoilers por aqui, pode-se ao menos dizer que despedidas são sempre dolorosas, ainda mais de personagens tão adotáveis (adjetivo conscientemente utilizado antes neste texto) quanto os da inesquecível Ted Lasso. Com o AFC Richmond tendo reais chances de fazer o que ninguém imaginava, prevalece a mensagem contida na palavra “acredite”, verbete colado no vestiário do time mais humanista do futebol profissional. Ted prega que acreditar é mais importante do que vencer, pois êxitos e reveses são consequências naturais da competição, mas crer na força própria é uma espécie de superpoder que nivela os resultados. Em pouco mais de 70 minutos, os criadores dão um desfecho bonito para essa história feita de positividade: uns precisam ir embora e outros cumprir velhas promessas; segundas chances são concedidas; vilões são expostos e mocinhos premiados pela sinceridade; amigos dizem “até logo” enquanto novas alianças se fortalecem. Ainda que reste uma esperança aos fãs sobre a continuidade, tudo indica que nos despedimos mesmo desses homens e mulheres inspiradores. A sensibilidade do episódio derradeiro compensou as fragilidades da temporada, convocando as lágrimas e as risadas. Sentiremos muitas saudades de Ted e companhia nos ensinando a ser menos negativos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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