Crítica


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Sinopse

Paris, França. Fahid e Udo são sócios no The Eddy, um clube de jazz que mantém uma banda própria, que lá toca todos os dias. Músico consagrado que há anos se dedica apenas a compor, Udo é o responsável pela criação musical do estabelecimento, enquanto cabe a Fahid tocar a contabilidade e os problemas do cotidiano. Grandes amigos e de personalidades completamente distintas, eles se complementam no gerenciamento do clube.  Entretanto, a morte inesperada de Fahid faz com que Udo tenha que assumir uma série de responsabilidades que desconhecia completamente.

Crítica

Basta conhecer um pouquinho da carreira de Damien Chazelle para logo compreender o porquê de seu interesse em estrear no universo das séries justo com The Eddy. Fã incondicional de jazz, ele conhece tão bem este universo ao ponto de, em La La Land (2016), inserir uma referência ao Caveau de la Huchette, histórica casa de shows parisiense, no trecho do futuro possível vivido por Mia e Sebastian, quando ele percorre o cenário musical da cidade luz. Mais que uma necessidade de roteiro, trata-se da reverência de um apaixonado a um local que, por tantas e tantas décadas, mantém viva a chama do jazz.

No fim das contas, The Eddy tem este mesmo objetivo. Girando sempre em torno de um clube de jazz situado em plena Paris, cujo nome é o título da série, Chazelle e sua equipe estão mais interessados em falar sobre as sensações em torno da música do que propriamente em contar uma história. Não por acaso, há um punhado de canções em cada um dos oito episódios desta temporada, ocupando um espaço considerável para ressaltar sonhos e decepções, obrigação e prazer, lealdade e companheirismo a partir de histórias de vida sobre pessoas que, cada uma à sua maneira, dedicam a alma à arte. Quem não conhece alguém assim?

Para tanto, The Eddy recorre à tática de, a cada episódio, desvendar o passado de um personagem de forma a, aos poucos, montar um mosaico de conexões entre eles. É interessante também notar a escolha do roteirista Jack Thorne em estabelecer uma dicotomia entre os donos do clube de jazz. Enquanto Farid traz um sorriso eterno e um lado sedutor que rapidamente atrai quem o cerca - ou o vê, no caso do espectador -, Elliot é sempre carrancudo e sem muito tato com as pessoas, se valendo demais de seu passado como expoente no meio artístico - trata-se do famoso "líder técnico". Por mais que sejam grandes amigos, são pessoas completamente antagônicas no jeito de ser, algo muito bem pontuado pelas escolhas de Tahar Rahim e André Holland como seus intérpretes.

Na estrutura episódica desta narrativa, Thorne manipula com bastante habilidade as diferenças em torno dos donos do The Eddy de forma a, já no segundo capítulo, estabelecer um desafio: como seguir adiante tendo um personagem tão antipático como fio condutor? É neste aspecto que a atuação de Holland merece destaque, por ser este um personagem sem muitos momentos de brilho próprio. A beleza em tal construção está justamente nas sutilezas demonstradas além de suas preocupações e explosões, graças à humanidade transmitida pelo ator a cada novo episódio. Já Rahim tem um trabalho mais fácil, e bem mais curto, por mais que executado de forma correta.

Ainda dentro da proposta narrativa adotada, pode-se dividir The Eddy entre antes e depois do terceiro episódio. Vibrante e envolvente até então, e tendo como norte os reflexos em torno da morte prematura de Farid, os episódios iniciais possuem um frescor decorrente também desta carga emocional, que reflete até mesmo esteticamente. A abertura do terceiro episódio no formato de tela do Instagram Stories surpreende e funciona muito bem, dentro do objetivo daquele momento. Da mesma forma, o plano-sequência que abre a temporada chama a atenção não apenas pela duração, mas também pela câmera na mão que tanto transmite a sensação de se estar ao lado dos personagens. Esta, por sinal, é uma marca registrada da série, assim como o uso da iluminação natural sempre que possível.

A partir do quarto episódio, há uma certa mudança de foco. Coadjuvantes passam a ganhar mais espaço, de forma irregular, e surge uma subtrama em torno do legado de Farid cujo objetivo maior é introduzir um vilão na trama - que, por sinal, é bem mequetrefe. A partir de então, fica muito nítido o grande problema de The Eddy: o desinteresse de Chazelle e sua equipe em elaborar uma narrativa que sustente oito episódios, dando muito mais destaque ao desenvolvimento dos personagens em relação às suas paixões. Surge então mais uma dicotomia: se a subtrama policial soa rasa e pouco interessante até o final desta temporada, há também um fascínio refletido em como as cenas musicais são gravadas, de forma a transmitir a dedicação e o tesão de quem está ali fazendo música, o que resulta na formação de uma trupe tão unida. É neste vigor do processo criativo que a série se sustenta, mesmo de forma irregular devido à coexistência de uma faceta bastante desleixada.

Ainda assim, The Eddy entrega certos momentos de déja vu em relação a La La Land (2016). A mesma técnica de edição em que a câmera se movimenta rapidamente em meio a uma música, desfocando o que é visto, aqui é utilizada algumas vezes. Além disto, o tema das canções populares versus a complexidade do jazz retorna com um viés muito parecido ao de Sebastian se irritando com o pedido de canção feito por Mia, no reencontro deles em uma festa. Por mais que a sequência como um todo seja bem feita, soa repetitiva e sem criatividade.

No mais, é necessário também ressaltar o belo trabalho de duas atrizes do elenco de apoio: a expressiva Amandla Stenberg, de longe a personagem mais multifacetada e desafiadora de todo o elenco, e também Joanna Kulig como Maja, seja pela sua qualidade como cantora ou pelo difícil magnetismo conquistado diante do público. Kulig, entretanto, não tem em mãos uma personagem tão rica assim, se destacando mais no palco que fora dele.

Mais interessado na vitalidade e na energia decorrente da música, The Eddy é uma série sempre agradável, não só aos ouvidos mas também pela qualidade técnica empregada e pelo elenco competente em mãos. Poderia ter um roteiro melhor trabalhado, de forma que certas pontas não fossem tão jogadas, assim como ser menos preguiçoso ao recorrer tanto a La La Land (2016). Quem sabe na próxima temporada, quando necessariamente precisará se ater mais a fatos para avançar na continuidade desta história?

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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