Crítica


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Sinopse

Eleanor, Chidi, Tahani e Jason precisam não apenas que há como salvar a humanidade, mas também descobrir um modo de mudar todo o sistema entre o Bom e o Mau Lugar. Depois, conseguirão eles próprios encontrarem seus lugares na ordem das coisas?

Crítica

Após uma temporada inicial não menos do que perfeita, uma segunda ainda interessante e uma terceira já problemática, The Good Place termina após o seu quarto ano. Uma decisão tão ousada quanto acertada. Afinal, o programa criado por Michael Schur (Parks and Recreation, 2009-2015) não apenas conseguiu voltar aos eixos originalmente imaginados, como também resgatou muito do inesperado e do surpreendente que tanto cativou a maior parte da sua audiência logo no ano inaugural, permanecendo atenta pelo tempo necessário para se contar uma boa história, e com isso evitando os desgastes e ‘barrigas’ desgastantes que volta e meia acontecem às séries de maior sucesso. Quatro anos podem parecer pouco, mas se mostraram suficientes para que cada espectador pudesse se apaixonar por personagens tão únicos, ao mesmo tempo que, veja só, mundanos. Afinal, todo mundo é um pouco inconsequente quanto Eleanor (Kristen Bell), já se sentiu inseguro como Chidi (William Jackson Harper), já fez suas loucuras como Jason (Manny Jacinto) e ao menos já sonhou em viver um dia como Tahani (Jameela Jamil). E se a identificação acontecia naturalmente, como não se importar com o destino deles após a morte? Se a audiência está ao lado dos quatro, cada acerto – ou derrapada – é de todo o grupo, independente de que lado da telinha se esteja. E este parece ser o maior acerto do seriado.

Eleanor, Chidi, Jason e Tahani estão mortos. Achávamos que estavam no Bom Lugar, apenas para descobrirmos que se encontravam, na verdade, rumo ao Mau Lugar – só o fato de deixarem de lado conceitos cristãos como ‘Céu’ e ‘Inferno’ já éum acerto e tanto! Desesperados por uma segunda chance, tentam de tudo – até ressuscitar – mas nada parece dar certo. É quando percebem que o próprio sistema, aquele que determina quem será recompensado e os que rumarão para danação eterna, que é falho. Resta a eles – agora aliados com o bom demônio Michael (Ted Danson) e com a onipotente Janet (D’Arcy Carden) – descobrir a fórmula correta para que uma pessoa possa ser avaliada se, durante o seu tempo na Terra, fez mais o bem do que o mal e, portanto, se merece a salvação ou será encaminhada a pagar por seus pecados. O começo deste quarto ano ainda é claudicante, ainda mais quando assumem a função de escolher quatro cobaias – Chidi, com a memória apagada, entre elas – com a missão de torná-las melhores, após estarem mortas, do que foram quando vivas. O problema aqui, no entanto, foi a falta de carisma dos tipos selecionados, principalmente o fofoqueiro John Wheaton (Brandon Scott Jones, de Megarromântico, 2019) e o misógino Brent Norwalk (Benjamin Koldyke, de Horas Decisivas, 2016).

É de se questionar se tais escolhas não foram intencionais. Afinal, a falta de entrosamento entre os quatro deste segundo time apenas reforçou o quanto o grupo inicial funciona bem, tanto como conjunto como também nas eventuais duplas que se formaram ao longo destes quatro anos. Até William Jackson Harper (visto recentemente em Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, 2019) melhora muito quando retorna à formação original. Afinal, individualmente eles não são nada de especial – e este é justamente o propósito. Porém, quando uns ao lado dos outros, alcançam aquele algo a mais tão raro – e, por isso mesmo, precioso. Kristen Bell e Ted Danson formaram uma das duplas mais incríveis da televisão atual, Jason e Tahani são tão diferentes, que Manny Jacinto (Maus Momentos no Hotel Royale, 2018) e Jameela Jamil aproveitam na medida certa para elevar essa estranheza a níveis impensados. Eles são ótimos quando separados, e ainda melhores juntos – e por isso até perdoamos a falta de química entre os casais românticos (difícil apontar quem estava pior, se Eleanor e Chidi ou Jason e Janet). Após lutarem muito contra isso na temporada anterior, agora abraçam essa verdade até o inevitável fim.

O grande adeus, o desfecho, a conclusão. O que esperar de uma trama que começa quando todas as outras se encerram? Afinal, os personagens aqui reunidos estão mortos, ou nunca chegaram a viver de verdade. Se o Bom Lugar não era nada do que esperavam, foi com agilidade – e perspicácia – que descobrem como ajeitar o que não funcionava bem. Somente nessa descoberta os roteiristas poderiam ter se estendido por mais um ano sem maiores esforços. No entanto, preferem seguir focados no que realmente importa: os personagens. Há muito esse programa deixou de ser sobre o que aguarda pelo ser humano após o fim da vida. É, sim, sobre como levá-la da melhor maneira, não apenas para si, mas também para todos os que os cercam. É isso que os aqui reunidos precisam não aprender – até porque já sabem – mas se darem conta como uma verdade universal, contra a qual nada podem fazer além de aceitar e se adaptar. É por isso que lidar com a ineficácia do Bom Lugar não chega a ser um problema maior: o que precisam, de fato, é descobrir o que fazer com tudo – ou nada – que vem depois.

Nesse ponto, ao invés de reinventar a roda ou trilhar caminhos inesperados, Michael Schur e sua equipe toma uma sábia decisão e confirma a máxima de que, ‘em time que está ganhando não se mexe’. Ou seja, opta pelo mais simples, porém, da mesma forma, também certeiro. As piadas continuam nos seus devidos lugares – ter como um dos presentes da Eternidade a oportunidade de entender o significado de Twin Peaks (1990-2017) é um presente divino – mas, ao mesmo tempo, mais comedidas e menos inoportunas (como chegou a acontecer nas duas últimas temporadas, quando o excesso das mesmas provocou mais ruído do que risadas). Coadjuvantes de destaque – como a maravilhosa Maya Rudolph ou o deliciosamente perverso Marc Evan Jackson – tiveram, simultaneamente, suas participações aumentadas e suas relevâncias diminuídas, ao passo que, tal mudança, abriu espaço, ao menos, para participações rápidas, porém marcantes, de nomes como Timothy Olyphant e Lisa Kudrow (o que só confirma o prestígio da série).

Ao passar a decisão do como chegar até o término para as mãos dos próprios protagonistas, os realizadores, ao mesmo tempo, dividem a tarefa com o público. Atentos, sabem que cada um escolherá o seu momento, a sua maneira, a sua trajetória. Assim, The Good Place vai embora sem dar adeus, um até logo, ou mesmo deixando portas entreabertas. Mas não deixa de ser uma despedida, porém tão repleta de finitude e satisfação que se torna mais do que uma comédia, um drama ou misto dos dois: é um espelho, tal qual se vive e, se espera, por assim seguirá depois. Kristen Bell deixa para trás definitivamente os anos de Veronica Mars, mostrando que ainda tem muito a explorar em si mesma, enquanto que Ted Danson, mesmo que nunca mais faça nada tão brilhante, tem garantido seu lugar entre os grandes da televisão norte-americana. Foi muito bom enquanto durou. E agora, com a sensação que deixa entre os fãs, curiosos e admiradores, se torna ainda melhor.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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