Crítica
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Sinopse
Há muitos anos, Alex Levy é a diretora do The Morning Show, um programa de TV matinal de prestígio que parece ter revolucionado a televisão americana. Quando Mitch Kessler, seu parceiro de trabalho há 15 anos, é demitido por ser acusado de má conduta sexual, a jornalista se esforça para manter seu emprego como âncora principal, enquanto trava uma batalha contra Bradley Jackson, uma novata que quer roubar seu lugar.
Crítica
Alex Levy e Mitch Kessler são pura realeza. É com eles que multidões acordam, o que dizem vale como se lei fosse, e como agem ou se pronunciam acaba influenciando milhares. Mas nada é mais grave do que não estar a par do seu próprio tempo. Aquilo que era válido ontem, hoje não tem mais o mesmo sentido – nem importância, nem influência. E é por isso que o pescoço de Mitch irá direto para a guilhotina – ou uma melhor analogia seria afirmar que teria sido ele simplesmente jogado aos leões? Mas Alex não ficará sozinha – afinal, rei morto, rei posto. E se os tempos são outros, o que menos corre talvez não seja exatamente aquele que voa, mas o que se antecipa ao passo dos demais. Assim, Bradley Jackson acaba conquistando um posto que talvez nunca tenha almejado, mas do qual não irá abrir mão sem luta. Este é o cenário das ferozes batalhas travadas em The Morning Show, série que recebeu a ‘simples’ incumbência de lançar a plataforma de streaming da Apple – a Apple + – e fez isso de forma tão impactante que lhe garantiu reconhecimentos do público e da crítica, tendo sua segunda temporada já confirmada. Feito mais do que merecido.
Ao invés de auditórios romanos ou aglomerações em praça pública em plena Revolução Francesa, o cenário de The Morning Show se dá em ambiente muito mais contemporâneo – mas não menos civilizado. Estamos falando dos bastidores de um programa matinal de televisão, um misto de telejornal com show de variedades que, não por acaso, leva o mesmo nome da série. E o evento que dá início à trama não poderia ser mais atual: Kessler foi acusado de assédio sexual, e por isso é demitido, mesmo sendo um dos rostos mais populares do país e um dos jornalistas mais poderosos da indústria. Em tempos de #MeToo, nada mais saudável do que estarmos diante de um exemplo como esse. Mas teria sido essa a única razão para o seu destino? O que mais estaria envolvido nessa dança de cadeiras? E aceitará ele ser jogado ao limbo, descartado como casca de banana, sem se manifestar ou dizer nada a respeito? Jay Carson (House of Cards, 2013-2016) e Kerry Ehrin (Bates Motel, 2013-2017), os criadores do programa, possuem nessa primeira temporada dez episódios para não apenas responder essas questões, mas também levantar outras tão ou mais relevantes.
Afinal, um programa que parte de um caso de assédio contra mulheres não poderia ter um homem como protagonista. Isso, simplesmente, não faria sentido. E se ao invés de seguir os passos do recente O Escândalo (2019), que se preocupou apenas com as denúncias e suas consequências imediatas, The Morning Show está focado tanto nos personagens envolvidos diretamente com o caso como também com todos os demais que, de uma forma ou de outra, também acabam afetados. Dito isso, é o programa que produzem e apresentam que se coloca (quase) acima de tudo e todos. Para tanto, é fundamental a presença do Cory Ellison, um dos executivos da emissora. Ele chega com a missão de solucionar o problema, mas sua propensão de se aproximar do caos é maior, e por isso o vemos, literalmente, incitando novas conjecturas e levantando outras questões. O que deseja, mais do que tudo, é ver o circo pegar fogo. Afinal, como vai ficando cada vez mais evidente, ele sabe de antemão que ninguém age assim por tanto tempo e com tantas pessoas de forma deliberada. É uma cultura mais abrangente de comportamento que precisa ser modificada. E, para isso, muitas vezes o melhor caminho é simplesmente o recomeçar. No entanto, é preciso colocar tudo o que havia antes no chão.
Se a pauta em discussão rende conversas acaloradas, nada melhor do que um elenco afinado para defender tais discussões. Steve Carell deixa de lado sua afeição pelo besteirol para criar um tipo complexo, soturno nos momentos certos e ardiloso quando lhe é conveniente. A ignorância que professa a respeito dos seus atos soa tão genuína que é por pouco que o espectador não se verá levado a sentir pena de uma figura tão problemática. Mark Duplass, como o diretor do programa, oferece tudo que está ao seu alcance, o que ainda é pouco, no entanto, perto da contagiante performance de Billy Crudup. Seu Cory é tão irritante quanto apaixonante, suas ações são deploráveis, mas aplaudidas na mesma intensidade. Estará na imprevisibilidade o seu registro, o que o torna tão viciante. Mas este é um drama, acima de tudo, que é nas mulheres em que encontra sua maior repercussão. Por isso, é com prazer que o espectador acompanha os altos e baixos enfrentados pelas duas protagonistas, vividas pela oscarizada Reese Witherspoon e pela vencedora do Globo de Ouro e do Emmy Jennifer Aniston.
Se a primeira surge como Bradley, a recém-chegada que é jogada no meio de um turbilhão e precisa a todo instante descobrir como manter sua cabeça acima do nível da água, ao mesmo tempo em que preserva vivo seu espírito jornalístico, lutando – nem sempre da melhor forma, que fique claro – para descobrir a verdade, estará na segunda a grande revelação deste seriado. Afinal, Aniston é reconhecida tanto pelas inúmeras comédias românticas que estrelou em Hollywood, mas principalmente por ter sido uma das Friends (1994-2004), uma das séries de maior sucesso de todos os tempos. Aqui, no entanto, oferece uma outra faceta ao público, mergulhando num viés dramático que lhe coube bem. Se no início a relação das duas se aproxima perigosamente de um esquema tipo A Malvada (1950), com o desenrolar dos acontecimentos a situação começa a se transformar, indo de aliadas a inimigas num piscar de olhos – algo fundamental para garantir o dinamismo da narrativa. Reese, que também é produtora, vê a sina de outro projeto seu, a série Big Little Lies (2017-2019), se repetir: ela até pode ser responsável pela existência da obra, mas novamente não é dela o melhor papel (e nem a melhor performance).
Se o começo promete muito e aos poucos a entrega fica aquém das expectativas, não tarda para que The Morning Show recupere a mesma atenção dos primeiros capítulos. Muito se deve aos impressionantes The Pendulum Swings, sexto episódio, quando a equipe principal deixa Nova Iorque e vai até Los Angeles cobrir uma série de incêndios, e Lonely at the Top, o oitavo, composto inteiramente por um flashback revelador a respeito de como o comportamento abusivo era uma constante em toda a emissora, entendida e perdoada – por vezes, até estimulada – e não apenas uma exceção pontual (nesse último, destaque para a atuação de Gugu Mbatha-Raw). Entre mudanças de comportamento e novos olhares, luta de egos e disputas sentimentais, este é um seriado que mergulha sem ressalvas em dramas recentes, ainda quando as feridas estão abertas, e assim o faz com precisão e seriedade. Um programa que merece ser visto, tanto por suas qualidades enquanto entretenimento, mas, mais ainda, por toda a discussão que levanta e promove. As saídas e soluções, obviamente, não são fáceis. Mas só serão encontradas a partir da reflexão e do debate. E este é um espaço tão bom quanto qualquer outro para que o primeiro passo seja dado. Que venha logo o segundo ano!
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Daniel Oliveira | 7 |
MÉDIA | 7.5 |