Crítica


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Sinopse

Um jornalista encontra um MP3 player com um podcast sobre crimes reais. Uma das revelações do programa gravado é o desaparecimento do avião em que o sujeito está ao utilizar o misterioso artefato.

Crítica

A priori, no início deste episódio, não há qualquer indício de uma catástrofe à vista, mas as imagens insistem num pesado tom de suspense. Como é prazeroso encontrar um diretor interessado em criar atmosfera apenas pelo uso de luz, enquadramento e montagem. Quando Justin embarca no voo 1015, os raios ao fundo sugerem perigo iminente. As imagens de profundidade reduzida produzem um tom de asfixia, enquanto o ponto de vista da câmera se esconde em lugares improváveis do avião: embaixo no assento à frente de Justin, próxima demais da fivela do cinto de segurança, no bolsão do assento ao lado. Mesmo sem ter indícios diegéticos de um conflito, o cineasta Greg Yaitanes desenvolve um tom de estranhamento que solicita a nossa atenção o tempo inteiro e lança o jogo de adivinhações: o que vai acontecer, afinal, com esse voo atípico?

O dispositivo escolhido para despertar suspense/terror é bastante interessante: Justin descobre um podcast narrando um acidente prestes a acontecer no exato voo em que ele se encontra. De certo modo, esta é uma gravação do futuro (a não ser que se suponha um tempo circular, paralelo e/ou não-linear), concebida para o jornalista que, mesmo trocando de assento, ainda se depara com o dispositivo. É possível mudar o futuro iminente? Caso este fosse um filme de Hollywood, Justin se tornaria o herói destemido lutando contra a ignorância geral. Felizmente, a série prefere um mecanismo mais complexo e perverso: ao tentar remediar a tragédia anunciada, Justin termina por executá-la. Sua pressa e a maneira desajeitada de lidar com o podcast premonitório tornam-se elementos catalisadores do desaparecimento do avião. “O inferno está cheio de boas intenções”, nos lembra o narrador Jordan Peele, cuja presença é introduzida de maneira mais orgânica neste segundo episódio.

O principal problema de “Nightmare at 30.000 Feet” é a pressa com que passa da dúvida à certeza, e então ao desespero. O fato de se deparar com uma mensagem do futuro provocaria questionamentos lógicos em qualquer um, porém Justin (Adam Scott) acredita quase instantaneamente no recado, tornando-se um obcecado em prevenir o desastre em questão de minutos. Ora, seria muito mais frutífero cinematograficamente trabalhar a evolução gradativa da impossibilidade do real até se atingir a crença no fantástico, fazendo com que o personagem evoluísse do homem ponderado ao louco. Embora apresente um cenário plausível no começo, Yaitanes atropela passos básicos da narrativa, que tornam o protagonista menos verossímil. Como um jornalista experiente agiria de maneira tão amadora diante de um possível terrorista russo? Por que este profissional jamais suspeitaria da presença atípica de um piloto-confidente (Chris Diamantopoulos) dialogando exclusivamente com ele?

Este episódio demonstra um potencial narrativo ainda maior do que o piloto da série, ainda que abordado de maneira menos eficaz. A curta duração (apenas 34 minutos, contra mais de 50 minutos do capítulo inicial) comprova a possibilidade perdida de desenvolver a contento o fascinante dilema do homem escolhido, entre o ceticismo e a aceitação do diálogo com o transcendental. A conclusão, com uma potente cena de vingança simbólica, também poderia ser melhor explorada pelo roteiro e pela montagem que se apressa em interromper aquele momento por alguma razão. De qualquer modo, esta narrativa subverte a noção positiva de ser “o escolhido”, encarregado de transmitir uma mensagem de salvação. Aqui, o fato de descobrir a verdade torna-se o calvário do homem comum. Muito mais felizes são os passageiros ao lado, encaminhando-se à morte em plena ignorância.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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