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Sinopse

Lenny Belardo é um jovem cardeal, gentil e não muito influente na Igreja. Abandonado no orfanato quando criança, Belardo é continuamente atormentado pelo abandono e desenvolveu um relacionamento muito turbulento com fé e Deus. Inesperadamente, ele é eleito papa aos 47 anos de idade por um cardeal que acha que encontrou um fantoche manipulável. No entanto, Belardo, com o nome de Pio XIII, será um evasivo e controvertido papa que não está inclinado a ser comandado.

Crítica

O rei está morto. Longa vida ao rei. Mais ou menos isso é o que anuncia The Young Pope, minissérie de dez episódios criada e dirigida na sua totalidade – algo não muito comum nesse formato – pelo cineasta italiano Paolo Sorrentino. Recém-saído de sua vitória no Oscar como drama A Grande Beleza (2013), o realizador decidiu se debruçar sobre a possibilidade da eleição do primeiro papa norte-americano – papel que, curiosamente, caiu nas mãos do inglês Jude Law, desafio que abraçou com evidente prazer. Mas não se trata apenas de uma questão de continuidade – aliás, por muitas vezes é quase o contrário que é percebido pela audiência. O novo papa – ou melhor, o “jovem papa”, como apontado no título – é um homem que ainda não chegou aos 50 anos e, mesmo diante da juventude de apresenta para o cargo que assume, se revela uma figura contraditória e polêmica, guiada por ideais ultraconservadores, ao mesmo tempo que não se exime de colocá-los em xeque quando convencido do contrário. Uma jornada ao seu lado parecia dotada de elementos suficientes para ser das mais interessantes. Infelizmente, essa expectativa nem sempre irá bater com a realidade.

Lenny Belardo, que escolhe o nome de Pio XIII ao tomar posse do papado, surge no cenário político que movimenta os bastidores do Vaticano como uma figura quase irrelevante. Ninguém pensa nele como uma opção válida no momento da escolha de um novo nome para o comando da Igreja. No entanto, graças à pouca idade, as velhas raposas que há muito habitam estes cenários começam a suspeitar nele uma possível fragilidade, alguém fácil de ser manipulado e que poderá conduzir as coisas de acordo com os interesses dos demais sem, no entanto, obrigá-los ao evidente desgaste que tal exposição carrega consigo. O objetivo do cardeal Voiello (o excelente Silvio Orlando, de O Crocodilo, 2006) é colocar no trono uma marionete, uma imagem de força e expressão, mas que, por trás da estampa, seja fraco e fácil de ser levado. Ledo engano. Afinal, Belardo é tudo, menos isso. Tal plano se revela ainda mais débil quando muitas das suas fichas apostam que o escolhido poderia se rebelar contra o velho tutor, o cardeal Spencer (James Cromwell, fazendo o que tão bem sabe) – aquele que, de fato, esperava ser o próximo papa. A escolha de um em demérito do outro, obviamente, provocará atritos. Nada mais do que marolas, no entanto, diante de um quadro maior a ser pintado.

Se está no desempenho eletrizante de Jude Law como o protagonista grande parte do interesse revelado por The Young Pope, a contrapartida, infelizmente, não se verifica no outro nome de peso do elenco, a oscarizada Diane Keaton. Como a irmã Mary, ela surge como a mulher responsável por Belardo ter chegado até onde agora se encontra – órfão, foi ela que o acolheu e o criou, introduzindo-o ao catolicismo – e ao chegar no Vaticano, a dependência dele por ela é tão forte a ponto de gerar a impressão de ser ela, e não ele, quem, de fato, está no poder. Esse sentimento, no entanto, nunca é abordado com a profundidade necessária, mesmo com tanto tempo em mãos. O cineasta, por outro lado, prefere se focar em passagens episódicas – como o paralelo que estabelece entre a fuga do protagonista e do melhor amigo do orfanato, quando crianças, com a noite em que ambos, agora em posições bem distintas, decidem passar incógnitos pelas ruas de Roma. Estas sequências, ainda que curiosas, pouco acrescentam ao drama que está sendo desenhado. São pitorescas, é fato. Mas não mais do que isso.

O mesmo se passa, ao longo destes dez episódios, em relação à influência de Voiello e sua posição enquanto antagonista. Ele começa como representante de um legítimo movimento de embate, mas tais esforços logo se mostram desgastados. É o contrário do que se verifica com o cardeal Gutierrez. Papel do almodovariano Javier Cámara, em suas primeiras aparições é de se perguntar o que o teria levado a aceitar o convite para participar dessa série, uma vez que sua relevância era quase nula. No entanto, com a proximidade do término da temporada, ele não apenas vai ganhando mais destaque, como também profundidade. Ele, aliás, será fundamental para uma forte discussão promovida pelo programa: em uma das suas declarações mais perturbadoras, Belardo chega a comparar a pedofilia com a homossexualidade. Mesmo quando confrontado pelos que estão ao seu lado, não parece demonstrar sinais de arrependimento ou mesmo de reflexão diante tamanho absurdo. No entanto, o exemplo acaba por falar mais alto, e será pela relação próxima que estabelece com Gutierrez – esse assumidamente homossexual – que começará a reconsiderar sua visão. No entanto, segue sendo uma mudança provocada pela influência de alguém de quem é íntimo, e não motivada por uma mais lúcida visão de mundo.

Estes confrontos, que se dão tanto de forma externa quanto interna, é o mote da atuação de Jude Law, hábil em criar um personagem tão atraente quanto repugnante. Isso porque seu Lenny Belardo é arrogante, antipático, orgulhoso e prepotente, ao mesmo tempo em que se diz voltado aos dogmas que fundaram a Igreja, em resgate ao básico, contra o consumismo desenfreado e o culto da sua imagem, em detrimento daquela que acredita ser a única merecedora de atenções, a do verdadeiro Criador. Pio XIII é um papa que afirma, ainda que somente no seu íntimo, não ser capaz de acreditar em Deus. Movido por uma impressionante falta de fé, vai ao extremo em busca dessa, alcançando, mais do que um necessário esclarecimento, também a compreensão que muitas vezes é dada como certa, ao passo que parece ser a primeira a desaparecer nos momentos de aflição. No episódio 8, quando o papa e sua comitiva partem para uma visita na África, tudo o que se vê são os estereótipos mais previsíveis – freiras gananciosas, esforços desperdiçados, mentiras dissimuladas – e um desfecho que, ao optar por ir em direção ao milagre, consegue apenas alienar o pouco de interesse que ainda resguardava. Ao invés da sutileza, tem-se a evidência. No lugar da sugestão, a eliminação das dúvidas.

Isso porque, em última instância, Sorrentino opta por assumir uma perigosa linha narrativa. O alerta se dá por tomar como absolutas questões que ganhariam valia a partir do questionamento, visto que a certeza apenas esvazia seu emprego. Se o jovem papa é um santo, esse seria um debate movido pela fantasia ou pela crença? Os dois lados, certamente, possuem argumentos consideráveis, e não se deixariam levar por desculpas de última hora. The Young Pope começa provocador, instigante e revolucionário, mas com o andar da carroça, ao invés de ajeitar as melancias que carrega, simplesmente prefere se desfazer delas, deixando-as pela estrada e abrindo espaço para um vazio conformista. Desperdiçando talentos evidentes do elenco (Cecile de France talvez seja a mais subestimada) e ignorando repercussões mais sérias (como o envolvimento do papa com um casal), a minissérie que prometia um discurso disruptivo alcança apenas um contentamento fácil, privilegiando as emoção fácil ao invés das exigências de uma reflexão mais apurada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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