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“Olá! Sou uma pessoa não binária, ou seja, não me identifico nem com o sexo feminino, nem com o masculino. E como lá em Botucatu ninguém me entende, decidi vir para São Paulo e morar com meu primo gay que sabe bem de tudo isso”. Assim começa Todxs Nós, série criada pelos cineastas brasileiros Vera Egito (Amores Urbanos, 2016), Daniel Ribeiro (Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, 2014) e Heitor Dhalia (O Cheiro do Ralo, 2006). Como é possível identificar diante dos créditos dos três realizadores envolvidos, todos já haviam abordado questões relacionadas à sexualidade e ao comportamento social e amoroso moderno em seus trabalhos anteriores. Unidos, conseguem oferecer algo de ainda maior vigor. Ou ao menos essa é a impressão que se tem diante do primeiro episódio desta temporada inaugural, que contará com oito capítulos de cerca de meia-hora cada um. E se o espectador, assim como a protagonista responsável pela citação acima, imaginava que bastaria uma mudança de ares para que tudo na sua vida se facilitasse, será interessante acompanhar essa jornada de descobertas e percepções a respeito da dura realidade da vida lá fora (ou aqui dentro, também).
Afinal, a responsável pela declaração que dá início a esse texto é Rafa, nascida Rafaela, mas que agora responde apenas pelo apelido (que pode ser empregado, facilmente e sem estranheza, para pessoas de ambos os sexos). Personagem de Clara Gallo, ela é a que deve passar pela maior transformação durante o programa – materiais de divulgação já anunciam que irá cortar o cabelo e mudar seu estilo de vestir. No entanto, as expectativas dele – ou seria melhor dizer ‘delx’? – vão ser frustradas de imediato, quando o tal primo ao qual ela se refere (Kelner Macedo, que estreou como protagonista de Corpo Elétrico, 2017) lhe rebate sem pestanejar: “Oi?”. Afinal, essa é a questão: não é por ele ser gay que se trata de um estudioso de todo o alfabeto relacionado à sigla LGBTQIA+ (o A se refere aos ‘assexuados’). E se Rafa acabará se juntando a eles, será por insistência da amiga com quem o primo divide apartamento, Maia (Juliana Gerais, de Selvagem, 2019).
Esse é o trio ao qual o espectador é apresentado: uma menina cis e heterossexual, um rapaz cis e homossexual, e uma pessoa não binária e pansexual (de acordo com suas próprias palavras, porque ‘pega tanto homem quanto mulher’). Se tais definições podem causar confusão, é bom o espectador não se preocupar: o programa é bem didático em seus diálogos, bem como poderia se esperar – mas não a ponto de soar repetitivo ou tedioso. Assim, quatro linhas narrativas começam a se desenvolver, demonstrando cuidados básicos com a estruturação de um roteiro bem elaborado. Há a situação que os três precisam lidar em conjunto – a chegada da visitante do interior e como se adaptar a esse novo formato comunitário – e as experiências individuais de cada um deles. Maia trabalha em uma empresa de aplicativo de transporte e está bastante atenta às questões feministas; Vini é ator e garçom, com pouco talento para uma coisa e nenhuma vontade para a outra; e Rafa é a deslumbrada que irá se deparar com uma nova realidade na cidade grande.
Ainda que essa seja uma série de ficção, há muito de conteúdo documental – ou jornalístico, por assim dizer – em sua produção. Assim como os três personagens principais, foi anunciado que também na equipe técnica haveria uma distribuição igualitária de funções para profissionais com outras orientações sexuais. Além disso, há o compromisso assumido de que um terço de todos os diálogos da história sejam ditos por atores LGBT+. A referência imediata parece ser a série Pose (2018-), não em enredo, mas em representatividade. E isso, ainda mais num Brasil comandado por um governo de extrema-direita, é uma realidade de grande alento. É de esperar, portanto, para ver se no âmbito dramático as promessas serão cumpridas, uma vez que nos bastidores elas parecem estar de acordo com as expectativas levantadas.
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