Crítica


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Sinopse

A misteriosa morte de Laura Palmer na pacata cidade de Twin Peaks dá início a uma série de problemas ao agente do FBI Dale Cooper e ao xerife Harry Truman. Eles são os responsáveis pela investigação do crime e acabam percebendo que várias pessoas da cidade estão envolvidas e que segredos obscuros estão por trás do caso.

Crítica

Depois da magistral primeira temporada, Twin Peaks entrou no seu segundo ano mantendo quente o suspense em torno do assassinato de Laura Palmer (Sheryl Lee). David Lynch não esteve tão diretamente empenhado como antes, uma vez que concomitantemente levava a cabo a produção de Coração Selvagem (1990), filme que, inclusive, viria a ganhar a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes. A trama começa imediatamente onde havia sido interrompida, ou seja, com Dale Cooper (Kyle MacLachlan) baleado por um desconhecido no chão do seu quarto de hotel. Mais perguntas. A aparição de Albert (Miguel Ferrer), tão rabugento quanto competente, colega de distintivo que chega para ajudar nas investigações, garante, ao longo desta leva, bons instantes de comicidade. Esse forasteiro, ao contrário do protagonista enamorado pelo interior, não perde oportunidades de demonstrar o quanto odeia estar numa localidade supostamente atrasada como Twin Peaks. Os enigmas se adensam, com a subtrama da serraria deixando supostos mortos e desaparecidos e Donna (Lara Flynn Boyle) às voltas com o homem recluso que possui um diário desconhecido de Laura Palmer – artefato revisitado adiante, o que torna essa construção importante.

Todavia, após a solução principal, ou seja, quando finalmente sabemos quem matou Laura Palmer, a qualidade do programa cai ligeiramente, não por falta de mistérios, mas porque há a aposta no desenvolvimento de enredos paralelos nem sempre funcionais. Temos estendida, mais que o necessário, por exemplo, a convivência entre Bobby (Dana Ashbrook), Shelly (Mädchen Amick) e o catatônico Leo (Eric DaRe), o foco nos desencontros amorosos de Ed (Everett McGill) e Norma (Peggy Lipton), e o aprofundamento na personalidade de Audrey (Sherilyn Fenn). A função no estabelecimento Jack Caolho serve, ao mesmo tempo, para ampliar a rede em torno de Laura Palmer e, por consequência, substanciar a sensação de que ninguém é completamente isento de nódoas na cidade interiorana. Porém, a mais banal dessas escapadas, a fim de priorizar personagens até então bem coadjuvantes, é a que mostra o envolvimento de James (James Marshall) com a femme fatale conhecida numa de suas sumidas motivadas por ataques de autocomiseração. Mais precisamente um pouco antes da metade da segunda temporada, Twin Peaks se sustenta basicamente na riqueza dos personagens, na empatia que estabelecemos por eles. Nada, contudo, que a diminua tanto.

Com a chegada de Window Earle (Kenneth Welsh), o psicopata ex-parceiro de Cooper, e sua vocação assassina, o seriado ganha bastante fôlego extra, inclusive em virtude do desenvolvimento engenhoso dos dados que dão conta das dimensões paralelas (e rivais) que explicam, de certa forma, os fenômenos ocorridos na cidade. Encarar a descoberta dos antagônicos Black Lodge e White Logde, essenciais ao todo, nos leva literalmente a outras instâncias, já que passamos a entender quem de fato é o assassino de cabelos longos e grisalhos que provoca a tragédia inicial e a natureza de pessoas para lá de enigmáticas, como a do Homem de um Braço Só (Al Strobel). Adentrar nesse universo em que o imponderável é uma constante se faz absolutamente imprescindível à fruição da terceira temporada, sequência que explora sobremaneira as particularidades daquilo que nos anos 90 surgiu como enigma praticamente insolúvel. Earle aqui desempenha a função de vilão clássico, trazendo para a esfera da interação com Cooper, justamente, a dicotomia presente entre Black Lodge e White Logde. Embora tenha seus altos e baixos, a segunda temporada continua fascinante.

Twin Peaks possui um caráter vanguardista. Por seu sucesso de público e crítica, foi uma das ignições do movimento que hoje permite a constância das produções televisivas norte-americanas. Não é pouca coisa. São diversos os méritos artísticos desta cria autêntica de David Lynch, artista ímpar que, antes de dedicar-se de corpo e alma às causas da meditação transcendental, infelizmente deixando um pouco de lado o cinema e a televisão, nos ofereceu obras arrebatadoras. Esta, certamente, está na galeria das grandes de Lynch, seja pela riqueza dos personagens, tão interessantes e cheios de camadas, em virtude da hipnótica construção narrativa, ou ainda por conta da disposição em mostrar, cravado num cenário pouco explorado, o potencial de uma trama que, com raras exceções, recusa confortar o telespectador, oferecendo um percurso labiríntico, porém acessível, complexo, emocional e psicologicamente, mas próximo, por sua capacidade de abrilhantar tudo com um verniz de genuinidade. Medo, comédia, romance, intrigas, mistério, perguntas sem resposta, são alguns dos ingredientes que permanecem nesta temporada, irregular, sem dúvida, mas nem por isso menos instigante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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