Crítica


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Sinopse

Yusuke Urameshi perde a vida durante um ato de bondade. Ele é convidado para ser um detetive espiritual e investigar casos de Yokais.

Crítica

Aguardada por alguns, encarada antecipadamente com ressalvas por outros tantos, a série live-action Yu Yu Hakusho faz parte de uma tendência recente da Netflix de apostar em adaptações de grandes marcas do anime. Não deu muito certo em Cowboy Bebop (2021), versão com atores de carne e osso da animação homônima, que não chegou perto da grandiosidade do original. O resultado foi bem diferente em One Piece: A Série (2023-), grata surpresa que, se não agradou a todos, pelo menos atingiu um patamar de aceitação capaz de garantir a renovação para a segunda temporada. A nova empreitada não é um fracasso, mas está longe de ser um êxito. Os dois primeiros episódios (de cinco) são bem bons, pois dão conta da apresentação do protagonista de um modo dinâmico e interessante. Yusuke Urameshi (Takumi Kitamura) é um estudante secundarista mais empenhado em arrumar confusão do que necessariamente em ser bom aluno. Encarado como bad boy do bem, ele sacrifica a própria vida para salvar a criança prestes a ser atropelada pelo motorista possuído por um youkai (criatura equivalente a um demônio). Yusuke vira fantasma, conhece o mundo espiritual e recebe o convite para se transformar num detetive a serviço do além. Esse começo tem alguns instantes até mesmo emocionantes, como a luta em que o cadáver de Yusuke está em perigo após um ataque inesperado. Mas tudo muda.

Antes de abordar as várias deficiências da adaptação, é preciso dizer que Takumi Kitamura faz um trabalho bastante decente ao conceber o seu Yusuke. Por mais que não tenha exatamente as mesmas características observadas no mangá e anime, ele se sai bem como o adolescente arremessado repentinamente numa guerra entre youkais e humanos, tendo os seres celestiais no meio disso. No original, o protagonista tem 14 anos e conserva aspectos um tanto infantis que o tornam engraçado em vários episódios. Aqui, ele tem 17 anos e faz sentido que sua personalidade seja menos zombeteira – embora nada impedisse os pontuais alívios cômicos. Enfim, sua caracterização está boa, com o uniforme escolar displicentemente utilizado ajudando a construir a aura de rebeldia juvenil. O mesmo pode ser dito de seu amigo/rival Kuwabara (Shûhei Uesugi) que, mesmo sem o cabelo laranja extravagante do original, é um personagem de motivações e impulsos críveis. No entanto, a falta de humor na primeira temporada de Yu Yu Hakusho afeta principalmente esse coadjuvante inconfundível, justamente, por ser um sujeito tão atabalhoado que as suas peripécias se tornam cômicas. A ausência de graça no programa provavelmente tem a ver com a opção de condensar muita coisa em míseros cinco episódios, num espaço insuficiente para apresentar tantos personagens, tramas e ainda ter zona de escape.

Aparentemente, não há confiança de que Yu Yu Hakusho possa ganhar uma segunda temporada, haja vista a quantidade enorme de situações importantes espremidas nesses cinco episódios de aproximadamente 50 minutos cada. Temos a história de origem de Yusuke, mas também as de Hiei (Kanata Hongô) e Kurama (Jun Shison), coadjuvantes essenciais à história – figuras que estão entre as mais queridas do público do mangá/anime. Kuwabara é inserido ali apenas como o admirador brigão do protagonista, não tendo sua subjetividade explorada. E, se os dois primeiros episódios da primeira temporada são promissores, o terceiro já indica uma sensível queda de rendimento que, uma vez mantida, define o saldo medíocre da empreitada. O treinamento de Yusuke e Kuwabara com a mestra Genkai (Meiko Kaji, de longe a atriz mais importante do elenco) acontece de modo excessivamente apressado para caber em cerca de meia hora, o que impede a elaboração dos vínculos afetivos entre sensei e discípulos. Há uma banalização, inclusive, das dificuldades para Yusuke controlar a sua energia espiritual e Kuwabara finalmente conseguir conjurar a espada que se torna sua arma especial contra os youkais. Aliás, o arco desenhado para Genkai desperdiça completamente essa personagem que, no original, não é apenas mais constante, como fundamental para várias conexões emocionais, inclusive com o principal vilão.

Falando em vilão, Toguro (Go Ayano) é exaurido inexplicavelmente de cara. O grande antagonista do Torneio das Trevas (o principal arco do anime) é consumido rapidamente, sem que haja tempo para se consolidar como alguém de vital importância. Aliás, as resoluções da primeira temporada praticamente inviabilizam a realização do Torneio das Trevas, o que é verdadeiramente uma lástima – ou não, tendo em vista a displicência com a qual o live-action é conduzido? A pressa também reduz a importância de Hiei e Kurama, youkais que se tornam grandes parceiros de Yusuke e Kuwabara. O primeiro é restrito a caras e bocas e lutas rápidas, sequer tendo a sua tragédia elaborada na busca por alguém que pode ser a sua irmã. Já o segundo passa longe de emocionar com a sua história dividida entre os mundos dos humanos e dos youkai. Aliás, as caracterizações de Kurama e Hiei parecem bem mais cosplays dos personagens animados do que necessariamente fruto de um esforço de adaptação profissional. Ademais, ambos usam suas principais técnicas diante dos primeiros adversários um pouco mais gabaritados/desafiadores. A apreço de Yusuke por Keiko (Sei Shiraishi), o suporte gracioso de Botan (Kotone Furukawa) e a credibilidade dos vínculos humanos são comprometidos pelo desenvolvimento acelerado que, entre outras coisas, impede a formação da jornada divertida e empolgante vista no ótimo anime.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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