Daniel Filho foi o grande homenageado do segundo dia do 43º Festival de Cinema de Gramado. Visivelmente emocionado pela honraria, com direito a um vídeo relembrando seus principais papéis no cinema, bem como os filmes dirigidos por ele, o ator/cineasta/roteirista fez questão de lembrar de seus colegas e amigos, que ajudaram a construir esta trajetória que já passa dos 60 anos de carreira. Filho também destacou a longevidade do Festival, relembrando que não são tantas empreitadas voltadas à cultura que permanecem tanto tempo ativas.
Embora a homenagem a Daniel Filho tenha sido o principal fato do dia, outros momentos deste último sábado na Serra Gaúcha merecem destaque. Depois das reprises da manhã (que invadiram um tanto a tarde), chegava a vez dos curta-metragistas gaúchos mostrarem seu talento em 10 produções, muitas delas realizadas como trabalho para universidades. Destaques deste primeiro programa de curtas ficam para os documentários sensíveis De que Lado me Olhas, de Carolina de Azevedo e Elena Sassi, e Madrepérola, de Deise Hauenstein; o enigmático O Corpo, de Lucas Cassales (também presente na Mostra Nacional de Curtas); o mochileiro Plano, de Virginia Simone, Carlos Dias e Matheus Walter; e o críptico Bruxa de Fábrica, de Jonas Costa.
À noite, com apenas 15 minutos de atraso, iniciaram as sessões competitivas. De início, o curta-metragem paulista Herói, de João Pedone e Pedro Figueiredo. Na trama, um rapaz com problemas mentais e uma empregada vivem uma relação confusa e extenuante. Ainda que tenha boas ideias e uma realização redondinha, a história deixa a desejar. A atriz Giuliana Maria tem boa performance, mas Matheus Martins carecia de maior entrega ao papel. Detalhe para o cesto de roupas recém lavadas com peças visivelmente novas, nunca usadas. Cinema está nos detalhes, afinal de contas.
Segundo filme em concurso na mostra de estrangeiros, Zanahoria (Cenoura, em tradução literal) se encaixa perfeitamente na tradição dos bons filmes sobre jornalismo. É praticamente um Todos os Homens do Presidente (1976) uruguaio, com direito ao seu próprio Garganta Profunda e com uma dupla de jornalistas que vão atrás das pistas para construir sua história. A grande diferença é que Carl Bernstein e Bob Woodward tiveram mais sorte ao seguir as migalhas de pão deixadas pelo seu informante naquela trama envolvendo o ex-presidente Richard Nixon do que os repórteres uruguaios desta interessante produção comandada por Enrique Buchichio, que também assina o roteiro, baseado em fatos reais.
Depois de entregar o prêmio Cidade de Gramado a Daniel Filho, os apresentadores Leonardo Machado e Renata Boldrini seguiram com o roteiro da noite apresentado o terceiro curta em concurso e o primeiro longa da mostra nacional. Em Muro, a diretora Eliane Scardovelli aponta sua câmera para um comovente e preocupante retrato das diferentes camadas sociais em espaço bastante restrito. Em meio a dois condomínios de luxo, uma invasão de casebres resiste àquela situação adversa, mostrando o abismo entre a pobreza e a riqueza. Faz com Que Horas ela Volta? um programa duplo interessantíssimo e com relevância social.
Depois de três bons longas-metragens exibidos, chegou a vez do primeiro filme com qualidade aquém do esperado. Introdução à Música do Sangue, de Luiz Carlos Lacerda, tinha bom elenco – Ney Latorraca e Bete Mendes – uma fotografia caprichada e trilha sonora com temas assinados por Antônio Carlos Jobim. No entanto, faltou uma história para preencher esta embalagem bela, mas vazia. Algumas cenas com maior impacto surgem como alienígenas em uma narrativa lenta, com sequências longas demais. Com atuações desiguais, o filme de Lacerda prometia muito, mas não conseguiu entregar um resultado satisfatório. Nem a beleza do elenco jovem, com Greta Antoine e Armando Babaioff, consegue salvar.