Eleito Melhor Filme da Mostra Panorama do Festival de Berlim pelo júri popular, Que Horas Ela Volta? (2015) também rendeu às atrizes Regina Casé e Camila Márdila o Prêmio Especial no Festival de Sundance, além de ser celebrado por boa parte da imprensa mundial como um dos possíveis candidatos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A crítica brasileira, em sua maioria, fez coro à ovação internacional, exaltando a realização de Anna Muylaert como capitulo importante da nossa cinematografia recente. Mas será que o filme é tudo isso? Existe motivo para tanta euforia? Nosso convidado Luiz Fernando Gallego, do site Críticos.com.br, é uma das vozes dissonantes que relativizam as qualidades do longa. Já Robledo Milani, prata-da-casa, defende neste Confronto os méritos da trama protagonizada por Val, empregada doméstica que tem suas convicções abaladas, sobretudo, pela filha contrária ao servilismo. E você, de que lado está? Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Oferece um olhar sobre a sociedade brasileira contemporânea com bastante precisão e propriedade”, por Robledo Milani
Atriz bissexta, Regina Casé ficou mais de uma década afastada das telonas. Agora, em busca de uma reinvenção profissional, foi atrás dos seus quase enferrujados dotes de intérprete para mostrar que, ao menos no seu caso, o talento veio de berço – ou que seu aprendizado foi como andar de bicicleta, uma vez no domínio, nunca mais se esquece. E após uma participação discreta no coletivo Rio, Eu Te Amo e de protagonizar o esquecível Made in China, ambos no ano passado, ela está de novo em cartaz em um trabalho simplesmente memorável. E o melhor: não está sozinha. Camila Márdila e Karine Teles dividem a cena, oferecendo os três lados da mulher atual: a que se sente inferior, a que está no mesmo nível das demais e aquela que acredita ser mais do que é de fato. Este belíssimo e sensível longa dirigido por Anna Muylaert revela a alma feminina com cuidado e vai além, oferecendo um olhar sobre a sociedade brasileira contemporânea com bastante precisão e propriedade. Ao lado dos recentes O Som ao Redor (2013) e Casa Grande (2014), compõe uma necessária trilogia não apenas de bom cinema nacional, mas fundamental para melhor nos entendermos nos dias de hoje.
CONTRA :: “O roteiro proselitista de “mensagem” óbvia transforma tudo em “filme de tese” previsível”, por Luiz Fernando Gallego
O filme começa bem ao expor contradições na cordialidade de patrões que não pedem nada às empregadas sem acrescentar um “por favor”. Mas o desenvolvimento esquemático dos personagens e de suas reações aos conflitos cria traços caricaturais, prejudicando especialmente o desempenho de Karine Teles. O modo como a classe média usa suas empregadas “quase da família” ficaria mais ricamente problematizado se houvesse sutileza e abordagem no interior mesmo das condicionantes sociais de afabilidade que servem para manter restrições e diferenças de classes. Mas os patrões se revelam vilões mesquinhos sob a capa de polidez patriarcal, esvaziando o alcance da crítica social almejada. Sem atitudes de megera ou predador sexual, a crítica ao sistema de dominação pelo afeto seria mais desconcertante. O roteiro proselitista de “mensagem” óbvia transforma tudo em “filme de tese” previsível. E Regina Casé não deixa de escorregar em populismo de chanchada mais à moda da animadora de TV do que da atriz. A questão do titulo (que horas as mães voltam do trabalho?) fica mal resolvida no desfecho que soa a “deus ex machina”. Parece que Muylaert quis deixar sua “mensagem social” bem clara e explícita, com certa dose de condescendência (e paternalismo) para com suas plateias.