Alfred Hitchcock é o mestre do suspense. A alcunha é indissociável por qualquer cinéfilo que se preze, mesmo entre os que não são fãs do seu trabalho. A genialidade do cineasta é reconhecida por todos mesmo décadas depois de sua morte, pois seu talento ia além de criar tramas de mistério que conquistavam público e crítica. Hitchcock era inovador em técnica e estilo, não à toa grandes cineastas o tem como referência até hoje. Não apenas Brian De Palma, seu seguidor mais que direto.
Nascido no dia 13 de agosto de 1899 em Leytonstone, Essex, na Inglaterra, Hitchcock não foi criado entre cineastas. Sua rígida formação católica poderia ter levado o então jovem para outros caminhos, mas a paixão pela sétima arte o fez conseguir emprego como designer de legendas de filmes mudos numa produtora londrina. Em apenas dois anos, participou da produção de doze curta-metragens e começou a testar suas habilidades como assistente de direção. Sua estreia oficial comandando o set de filmagens se deu com The Pleasure Garden (1925), um filme pouco visto e que, honestamente, talvez nem seja tão relevante em sua filmografia além de ser “o primeiro”.
O cineasta que todos conhecemos até hoje começou a se mostrar em uma de suas seguintes produções. The Lodger (1927), suspense com a lenda de Jack, o Estripador, já trazia alguns elementos que se tornaria marca em seus filmes, como a culpa atribuída ao homem errado e a ineficiência da polícia. Este filme também é um marco pois, a partir daí, Hitchcock sempre faria seu cameo, causando a expectativa do público em todos os seus próximos longas para saber em que momento ele apareceria. E, realmente, ele sempre daria as caras.
Seu primeiro filme falado foi o sucesso Chantagem e Confissão (1929), que chamaria ainda mais a atenção da crítica, não só pelo fato de ter sido inicialmente concebido para ser mudo, mas também por seu roteiro envolvente. Hitchcock ainda era um cineasta experimental sob diversos aspectos e, com sua alta produção de um filme por ano, entregava alguns ótimos exemplares e outros esquecíveis. Ainda assim, se tornou o cineasta de maior sucesso na Inglaterra nos anos 1930, entregando obras como a primeira versão de O Homem que Sabia Demais (1934), Os 39 Degraus (1935), O Marido era o Culpado (1936) e A Dama Oculta (1938). No ano seguinte, lançaria A Estalagem Maldita, produção que encerra a chamada “Fase Inglesa” do cineasta.
Em 1940, o produtor David Selznick, sempre com um tino e olhar para o sucesso, faz uma proposta interessante para levar Hitchcock para os EUA e filmar Rebecca: A Mulher Inesquecível (1940). A estreia em solo norte-americano não poderia ser melhor, pois o longa ganhou o Oscar de Melhor Filme no ano seguinte. Mesmo que muitos reclamem do filme se tratar de uma produção encomendada a qual o cineasta não tinha controle, é possível perceber a mão do cineasta na condução da história. Porém, os problemas com produtores começariam ali mesmo e se intensificariam com a próxima produção, Suspeita (1941), que teve o final alterado para “não difamar” a aura de galã do protagonista Cary Grant. Mais uma que Hitchcock engoliu, mas não muito. Afinal, o termômetro do cineasta estava direcionado ao público, e não ao que os chefes queriam lhe mandar fazer.
Ainda assim, os anos 1940 foram repletos de obras interessantes, algumas até consideradas das melhores em seu currículo. A Sombra de uma Dúvida (1943), por exemplo, era uma das favoritas do próprio Hitchcock. Um Barco e Nove Destinos (1944) e Spellbound: Quando Fala o Coração (1945) concorreram ao Oscar de Melhor Direção. Interlúdio (1946) é um dos mais aclamados pelos fãs e também um dos principais quando lembramos do McGuffin, o recurso/objeto/motivo utilizado no roteiro que serve apenas como gancho para contar a verdadeira história do enredo. Em 1948, Festim Diabólico, além de trazer um casal homossexual (ou assim se sugere) de assassinos como protagonista, é ainda mais inovador por ter sido editado como se fosse um grande plano sequência. Só não poderia ser de fato um plano inteiro pois as câmeras precisavam ser trocadas a cada onze minutos.
É neste período também que Hitchcock começa a ser conhecido por ter musas inspiradoras a cada época, especialmente loiras. Começou com Joan Fontaine, partiu para Ingrid Bergman (ok, não é loira, mas usava cabelos mais claros nos filmes do cineasta), até chegar nos anos 1950 e encontrar sua diva perdida, Grace Kelly. É neste período, também, que a maioria das chamadas obras-primas de sua filmografia são realizadas: Pacto Sinistro (1951), Disque M Para Matar (1954), Janela Indiscreta (1954, mais uma indicação ao Oscar de Direção), o remake de O Homem que Sabia Demais (1956), Um Corpo que Cai (1958, considerado o melhor filme de todos os tempos pelo American FIlm Institute) e Intriga Internacional (1959 e o estabelecimento da fórmula de longas de espionagem como a série 007). Todos estes figuram em listas dos melhores longas do realizador. Foi nesta década também que produziu o seriado The Alfred Hitchcock Presents, com vários curtas de suspense, alguns dirigidos pelo próprio, mas sempre com sua bem humorada apresentação.
É claro que ainda falta a obra mais conhecida de sua carreira. Em 1960, Hitchcock queria adaptar um fraco suspense literário para as telonas e não conseguia investimento de nenhuma parte. Pois foi do próprio bolso que ele realizou Psicose, arrecadando múltiplas vezes mais o que foi gasto nos bastidores. O impacto desta história foi tão surpreendente que uma das poucas cinebiografias sobre o cineasta, Hitchcock (2012), é justamente sobre este período. A famosa cena do chuveiro e o assassinato da protagonista antes da metade do filme foi tão impactante que, na época de seu lançamento, ninguém podia chegar atrasado à sessão para que não se perdesse nada de todo o arco da história.
Com dinheiro no bolso e os produtores de olho novamente em quanto o cineasta ainda poderia render nas bilheterias, Os Pássaros (1962) foi produzido dois anos depois e conquistou seu lugar no imaginário dos fãs de sua obra. Nos bastidores, a conturbada relação com sua última musa, Tippi Hedren, que sofreu o diabo nas mãos de Hitchcock e até virou história no telefilme A Garota (2012), produzido pela HBO. Foi nesta época também que o diretor começou a ser reconhecido de forma artística em definitivo, em boa parte graças aos franceses da Cahiers du Cinema e sua paixão pelo cineasta, especialmente François Truffaut, que realizou uma série de entrevistas com o mestre do suspense. Talvez a mais reveladora sobre não apenas seu trabalho, como os reflexos de sua vida pessoal nas telonas.
Ainda colhendo frutos de seu sucesso, no ano seguinte viria Marnie: Confissões de uma Ladra (1963) produção que não foi tão bem recebida, especialmente por uma polêmica (suposta) cena de estupro. Com a idade avançada, começariam a surgir cada vez mais frequentes problemas de saúde com Hitchcock, o que diminuiu muito seu ritmo de filmagens e até de produções de boa qualidade. Cortina Rasgada (1966) pode não ter sido dos seus piores filmes, mas ninguém lembra. Topázio (1969) é confuso e fora de ritmo, talvez o pior de sua filmografia. Ecos de sucesso só retornariam, em parte, com Frenesi (1972), que tem como tema, novamente, a violência sexual, mas desta vez rendendo boas críticas. Seu último filme foi Trama Macabra (1976), um suspense bem humorado em que, ironicamente, a cena em que Hitchcock aparece é apenas sua silhueta atrás da porta de vidro de um cartório de registro de nascimentos e mortes.
Alfred Hitchcock faleceria em 29 de abril de 1980, deixando uma extensa obra repleto de altos e poucos baixos, além de um séquito infinito de fãs. Seus filmes sempre combinavam suspense e humor, tornando-se diferenciais por nunca enganar o público com recursos como o whodunit (quem matou?) e deixando todos ainda mais aflitos pelo desenrolar da história, de como o protagonista inocente iria se salvar a, especialmente, como o criminoso seria descoberto e detido. Do início de sua carreira até os dias de hoje, poucos podem dizer que foram bem sucedidos nesta questão, não à toa seu nome figura como referência como o mestre do suspense que todos chamam. Uma alcunha que dificilmente alguém tirará dele na história do cinema.
Filme imprescindível: Psicose (1960) – não por ser o melhor trabalho do cineasta, mas por ser impossível não lembrar do filme sempre que seu nome é mencionado. Referência é o que não falta aqui.
Primeiro filme: Oficialmente, The Pleasure Garden (1925), mas conta em 1923 o inacabado Number 13.
Último filme: Trama Macabra (1976)
Guilty pleasure: O Terceiro Tiro (1955), uma de suas poucas comédias e que misturava o gênero com suspense.
Filme Perdido: Em 1945, realizou um documentário sobre os horrores do Holocausto chamada Memória dos Campos. Na verdade não é bem um filme perdido, pois ele foi rodado e editado, mas não foi lançado por decisão do governo britânico, que o achou pesado demais na época. Agora, em 2015, é que a produção chega às telas.
Cinebiografias: A dificuldade em se concentrar em apenas um aspecto da vida do cineasta é tão grande que apenas recentemente foram feitos filmes sobre ele. Os dois do mesmo ano, por sinal. A Garota (2012), produção televisiva da HBO, e Hitchcock (2012), realizado para os cinemas. Ambos dividiram a crítica.
Oscar: Hitchcock foi um daqueles eternos injustiçados pela Academia. Concorreu cinco vezes ao Oscar de Melhor Direção por Rebecca: A Mulher Inesquecível (1940), Um Barco e Nove Destinos (1944), Spellbound: Quando Fala o Coração (1945), Janela Indiscreta (1954) e Psicose (1960), mas não levou nenhum. Apenas Rebecca levou o prêmio de Melhor Filme para casa, mas o cineasta não era o produtor do longa. Recebeu o prêmio pelo Conjunto da Obra em 1968.
Frase inesquecível: Entre outras, a que mais marca é a falta de sutileza em seu trabalho com uma pitada de sarcasmo: Atores deveriam ser tratados como gado. Precisa dizer mais nada, não é?
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