Um início auspicioso para o 45° Festival de Brasília

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Robledo Milani
Cred. Junior Aragão 73
Apresentadores na noite de abertura / Foto Junior Aragão

A semana do cinema brasileiro está acontecendo na capital federal. Em pleno planalto central não se fala em outra coisa senão nos novos trabalhos de realizadores estreantes e também de veteranos já consagrados. A seleção do 45° Festival de Brasília está bem diversificada, e o que foi exibido até agora aponta para caminhos estimulantes para a produção nacional. De curioso, no entanto, está a forte concentração de obras vindas de Pernambuco – por exemplo, dos 6 longas de ficção, 3 são pernambucanos! Que essa efervescência na produção nordestina sirva de exemplo e estímulo para as demais regiões do país.

Brasília deu início às suas atividades na segunda-feira, dia 17 de setembro, com um discurso do ator Murilo Grossi, que entre outras coisas lembrou de uma declaração do crítico Paulo Emílio Salles Gomes, um dos homenageados deste ano: “o pior filme nacional é melhor do que qualquer filme estrangeiro”. Talvez esse ufanismo seja um pouco exagerado, mas reflete bem a proposta do encontro brasiliense. Depois, teve espaço uma apresentação sinfônica sob o comando de Patrick De Jong, premiado como Melhor Trilha Sonora no ano passado pelo belo Meu País (2011), e que neste ano apresentou o trabalho feito para A Última Estação, longa convidado para a abertura do festival.

Concerto de abertura / Foto Junior Aragão

O 45° Festival de Brasília começou de fato no dia seguinte, terça-feira, com a exibição dos primeiros selecionados para as mostras competitivas. Ao contrario do Festival de Gramado, que possui três categorias de premiação – Longa Nacional, Longa Latino e Curta Nacional – Brasília investe na diferenciação de gêneros, premiando separadamente em 5 categorias: Curta Ficção, Curta Animação, Curta Documentário, Longa Documentário e Longa Ficção. Durante 6 noites, até domingo, serão apresentados sempre 5 filmes – três curtas e dois longas. E pra começar, os selecionados foram: Câmera Escura, de Marcelo Pedroso; Um filme para Dirceu, de Ana Johann; Linear, de Amir Admoni; Canção para minha irmã, de Pedro Severien; e Eles Voltam, de Marcelo Lordello. Se os primeiros, ambos documentários (curta e longa), decepcionaram, a animação Linear também não surpreendeu por já ter sido exibida em Gramado. O curta de ficção soou estranho demais para conquistar uma maior simpatia, o que acabou acontecendo com o longa de Pernambuco. Diferente e bastante ousado, frustra apenas no seu final por demais convencional. No entanto, o registro que exibe merece ser lembrado como um início auspicioso para essa edição.

A terceira noite em Brasília foi marcada por dois longas que souberam fazer críticas inteligentes à capital do país. Tanto Kátia, de Karla Holanda, documentário do Piauí, quanto A memória que me contam, de Lúcia Murat, ficção do Rio de Janeiro, destacam em algum momento de suas narrativas a insatisfação do povo brasileiro com seus governantes. O primeiro tem como personagem a primeira travesti a ser eleita a um cargo público no Brasil, enquanto que o segundo mostra como estão hoje em dia aqueles que lutaram contra a ditadura militar. Os comentários bastante realistas foram recebidos com entusiasmo pelo público que lotou a Sala Villa-Lobos, do Teatro Nacional Claudio Santoro. Outro ponto em comum entre estes dois longas é o olhar bastante realista sobre a homossexualidade, desde a travesti que conquistou o respeito da sua família, vizinhos e amigos, como também o filho da ex-guerrilheira que se assume agora com o namorado numa bela e delicada cena de amor. Parabéns!

A gaúcha Liliana Sulzbach apresentou o curta "A Cidade" / Foto Junior Aragão

Os curtas da segunda noite competitiva também animaram os espectadores. A Cidade, de Liliana Sulzbach, veio de Porto Alegre para mostrar com sensibilidade como se encontram hoje em dia os moradores de um leprosário próximo à capital gaúcha. Mais Valia, animação de Marco Túlio Ramos Vieira, mostrou animais vivendo como humanos e as poucas diferenças que nos separam, enquanto que Vereda, de Diego Florentino, foi outro ponto alto da noite, numa trama lírica sobre um pescador que se apaixona por uma sereia – ou seria apenas uma mulher afogada que ele recolhe com a própria rede? Corajoso, é um a ser lembrado.

A quadragésima quinta edição do mais antigo festival de cinema brasileiro ainda está apenas no começo, e muito deverá acontecer até segunda-feira, dia 24 de setembro, quando serão anunciados os premiados deste ano. Mas esse começo tem sido bastante interessante, revelando um evento organizado, muito bem estruturado e preocupado em promover um curioso e pertinente panorama da nossa cinematografia atual. Que os próximos dias confirmem essa percepção!

Kátia Tapety e Karla Holanda, do filme "Kátia" / Foto Junior Aragão
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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