Crítica
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Sinopse
Robert Redford é presidente dos Estados Unidos há 30 anos. O Vietnã perdeu a guerra, e agora é o 51º estado norte-americano. Super-heróis existem há décadas, mais vigilantes são perseguidos pela polícia - que usa máscaras para se proteger. Após uma lula gigante surgir no centro de Nova York, matando milhares de inocentes, o mundo se uniu contra uma possível ameaça extraterreste. Enquanto isso, o Capitão Manhattan, o ser mais poderoso do universo, foi viver em Marte, cansado das pequenezas humanas.
Crítica
Os heróis estão mortos. Longa vida aos heróis! Obra fundamental para estabelecer as histórias em quadrinhos como uma expressão artística também para adultos – e não voltada apenas ao entretenimento infanto-juvenil, como foi vista durante décadas – Watchmen foi considerado, por muitos anos, como “infilmável”. Para essa impressão, em nada ajudava ser assinada por Alan Moore – notório por detestar todas as adaptações dos seus trabalhos, como os decepcionantes Do Inferno (2001) e A Liga Extraordinária (2003) – e já contar com uma transposição audiovisual frustrante em diversos aspectos (Watchmen: O Filme, 2009, de Zack Snyder). Pois bem, é curioso perceber como foi preciso um homem sem medo – nenhuma ligação com o demônio da Cozinha do Inferno, por favor – para não apenas enfrentar esse desafio, mas também vencê-lo com tranquilidade. O talento em questão é o de Damon Lindelof, responsável por séries como Lost (2004-2010) e The Leftovers (2014-2017), verdadeiros fenômenos culturais que levantaram gigantescas expectativas, mas acabaram decepcionando em um aspecto ou outro. Assim, literalmente sem ter o que perder, fez de Watchmen o seu momento da virada. E o resultado é, no mínimo, impressionante.
Esqueça os quadrinhos ou o filme de dez anos atrás. Ou melhor, tenha em mente o que foi visto e produzido antes, mas saiba que isso não é mais do que um ponto de partida. Watchmen, a série, é outra história. Ambientada no mundo de Capitão Manhattan e Ozymandias, do Comediante e de Rorschach, da Espectral e do Coruja, mas muito antes – e também além – destes. Os heróis que formaram os icônicos MinuteMen seguem como referência, mas ainda virão a existir, ou há muito já desapareceram. Lindelof tratou de espalhar sua trama, composta por nove enxutos e precisos episódios, pelo decorrer de quase um século. Sabe-se o começo, lá em 1921, e também o presente, prestes à virada de 2020. O durante que se desenvolveu entre um ponto e outro, no entanto, é o que precisa ser desvendado. E o melhor: sem pressa alguma. É como um grande filme: tudo está muito bem pensado. Mistérios apontados na estreia serão retomados apenas capítulos depois, e cada um destes resgates termina por fazer completo sentido. A impressão é de que nada é por acaso. O melhor, no entanto, é quando esta vira uma certeza, quando os detalhes começam a tomar seus devidos lugares.
A estrutura desenvolvida é por demais interessante. Cada segmento tem um personagem como diretriz narrativa. Temos aquele voltado ao capitão Judd Crawford (Don Johnson), o que descobrimos que por trás da máscara da Irmã Noite está a ex-policial Angela Abar (Regina King), quando nos damos conta que Espectral (Jean Smart), agora sob o nome civil de Laurie Blake, continua mais letal do que nunca, ou o que investiga o passado – e, portanto, a origem – de novos mascarados, como Espelhado (Tim Blake Nelson), ou velhos conhecidos, como Justiça Encapuzada (Louis Gossett Jr. / Jovan Adepo), ou Adrian Veidt (Jeremy Irons). Quanto a esse, o olhar merece ser mais detalhado e cuidadoso. Afinal, o ‘Homem Mais Inteligente do Mundo’ não só ganha um episódio inteiro para chamar de seu, como também tem sua trajetória pinçada desde o começo, intercalando as mais diversas – e possíveis – interpretações: assassino, benfeitor, gênio, mestre, ditador, sanguinário, cruel, irascível, incansável, solitário, condescendente, sarcástico, generoso. E dessa miríade que surge uma das personalidades mais interessantes – e, possivelmente, mal aproveitadas de toda a série. Um passo em falso em uma caminhada repleta de acertos.
E se a antiga Espectral surge soltando faíscas – apenas para, em sua continuidade, ser relegada a um segundo plano – ao menos serve para introduzir o agente Petey (Dustin Ingram, de Vinyl, 2016), uma figura dona de interesse singular, dentre aquelas relegadas ao ‘segundo time’, por assim dizer. Afinal, não só é a ponte com o espectador – é um fã declarado dos grandes heróis – como também uma enciclopédia ambulante – sabe tudo sobre os mesmos. E se o próprio não consegue evitar de usar sua devida máscara, outros em igual posição acabam por adquirir posições diversas. É o caso do senador Joe Keene (James Wolk, de Mad Men, 2013-2014), uma presença que desde a primeira apiração aponta para futuros desdobramentos, ou o enigmático Sr. Phillips (Tom Mison, de Sleepy Hollow, 2013-2017), que ao lado da Sra. Crookshanks (Sara Vickers, de O Alienista, 2018), pode ser tudo ou nada, a folha em branco ou o buraco negro sem fundo. E se Blake Nelson está à altura da expectativa que se cria ao seu redor, é um deleite ir descobrindo o que Hong Chau pode fazer quando ganha um personagem de verdade em mãos, mais ou menos como em Pequena Grande Vida (2017) – chega de mansinho, dando poucos sinais do que realmente busca, mas quando de posse daquilo que a motiva, o jogo vira a seu favor.
Watchmen, no entanto, é uma história mais sobre aqueles que estão por baixo das máscaras que os sustentam. “É preciso tirá-las, pois as feridas precisam de ar para que possam ser curadas”, alguém diz a certo ponto. Estão todos querendo se esconder – os policiais que temem por suas vidas, os fracos que buscam ganhar força, aqueles com falhas no caráter, que não conseguem assumir os seus atos, os que cansaram, e por isso não encontram motivações para voltar, ou os que apenas dissimulam, para não revelarem suas reais intenções. Will Reeves se disfarçou para que não vissem sua cor. Capitão Metrópole teme por sua orientação sexual. Red Scare usa como desculpa para extravasar. Wade Tillman precisa superar seus traumas. Crawford luta contra – ou pelo? – o legado familiar. Lady Trieu quer tanto matar pai e mãe quanto precisa de ambos para testemunhar suas conquistas. Dentre esses, resta apenas o Capitão Manhattan, aquele que é tudo e todos, cada instante de ontem, hoje e amanhã, em qualquer lugar, tempo e espaço. Sua onipotência é tamanha, que somente lhe resta o caminho contrário. Vestindo a máscara que não esconde, mas apenas recria a mesma verdade, porém vendendo-a como uma mentira, é que pode ser ele mesmo. Esquecendo de si, finalmente se encontra. Por isso, seu destino é um só. Absolutamente, o infinito e o nada total.
Um elemento crucial é adicionado ao enredo de Watchmen quando esse chega à televisão: a urgência de se discutir a diversidade e a incapacidade humana de lidar com as diferenças. O mais evidente é o racismo, tornado óbvio a partir de elementos facilmente reconhecíveis, como massacres públicos de negros e a formação de sociedades secretas que pregam a tal supremacia branca. Mas Lindelof e sua equipe de roteiristas e diretores – entre estes, uma realizadora, Nicole Kassell, responsável pelos três episódios iniciais, e cinco escritoras, sendo duas mulheres de cor – se debruçam sobre muitas outras questões. Homossexualidade, xenofobia, feminismo, discriminação etária, religiosidade e fanatismo: está tudo lá, basta ficar com os olhos atentos. Assim, com a desculpa de uniformes coloridos e feitos impossíveis, abre-se espaço para discutir problemas bem terrenos – e de maior urgência. Afinal, não bastam apenas palavras bonitas e nomes de impacto: são necessários também ações que façam diferença. Exatamente o que é visto aqui, um conjunto sólido, que não se contenta com o jogo ganho, mas a partir desse constrói um, por que não, admirável mundo novo. Ou quase isso.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Daniel Oliveira | 8 |
Wallace Andrioli | 8 |
Matheus Bonez | 9 |
MÉDIA | 8.3 |